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    Vizinhos italianos criam rede social própria, on-line e off-line

    GAIA PIANIGIANI
    DO "NEW YORK TIMES", EM BOLONHA, ITÁLIA

    31/08/2015 02h00

    Quando Laurell Boyers, 34, e seu marido, Federico Bastiani, 37, decidiram morar juntos em Bolonha, em 2012, não conheciam nenhum de seus vizinhos. A sensação era de solidão.

    "Todos as amigas que eu havia deixado em meu país tinham bebês, se encontravam para que as crianças pudessem brincar, conversavam. Eu me sentia muito excluída", disse Boyers, que se mudou da África do Sul para a Itália, em conversa recente. "Nós não tínhamos parentes ou amigos aqui. Conhecíamos algumas pessoas superficialmente, mas ninguém em nossa situação".

    Por isso, Bastiani decidiu arriscar e espalhou cartazes por sua rua, a Via Fondazza, explicando que havia criado um grupo fechado no Facebook apenas para as pessoas que moravam lá. A esperança dele era simplesmente a de fazer alguns novos amigos.

    Em três ou quatro dias, o grupo já tinha 20 seguidores. Passados quase dois anos, dizem os moradores, caminhar pela Via Fondazza já não é como caminhar por um bairro de cidade grande. A sensação é mais a de descobrir uma cidade pequena, onde todos se conhecem; o grupo agora conta com 1,1 mil membros.

    "Agora me sinto obrigada a conversar com todo mundo quando saio de casa", diz Boyers, brincando. "É reconfortante e também cansativo, às vezes. Você precisa tomar cuidado, porque pode conseguir exatamente o que queria".

    A ideia, a primeira "rua social" da Itália, foi tamanho sucesso que se espalhou para além de Bolonha e dos limites estreitos da Via Fondazza. Há 393 ruas sociais na Europa, Brasil e Nova Zelândia, inspiradas pela ideia de Bastiani, de acordo com o site Social Street Italia, que foi criado tendo por base o grupo original de Facebook da Via Fondazza, com o objetivo de ajudar outras pessoas a reproduzir o projeto.

    Bolonha, uma cidade de porte médio no norte da Itália, é conhecida por sua postura progressista na política e pelas cooperativas. Abriga o que muitos dizem ser a mais velha universidade da Itália e mistura uma população jovem e vibrante e moradores de longa data, conhecidos pelo forte senso de comunidade.

    Ainda assim, em termos sociais, a Itália - o que inclui Bolonha - pode ser conservadora. Amizades e relacionamentos muitas vezes surgem de conexões familiares. Nem sempre é fácil conhecer pessoas novas. Nas grandes cidades, os vizinhos em geral optam por cuidar das próprias vidas.

    Nadia Shira Cohen/The New York Times
    Federico Bastiani, fundador da Social Street
    Federico Bastiani, fundador da Social Street

    Mas hoje, os moradores da Via Fondazza ajudam uns aos outros no conserto de eletrodomésticos, nas pequenas tarefas caseiras ou na recarga de baterias de automóveis. Trocam passagens de trem e organizam festas.
    Cerca de metade dos moradores da Via Fondazza pertencem ao grupo de Facebook. Aqueles que não usam a internet são convidados para os eventos por meio de panfletos ou contato pessoal direto.

    "Percebi que a primeira coisa que as pessoas pensam é se terão de pagar alguma coisa", pela ajuda alheia, disse Bastiani, falando da experiência de uma vizinha de 80 anos que precisava que alguém buscasse compras para ela, ou de um morador que queria ajuda para montar um móvel da Ikea.

    "Mas não é esse o ponto", ele acrescentou. "A melhor parte dessa ideia é que ela desmonta os velhos esquemas. Vivemos perto uns dos outros e ajudamos uns aos outros. É só isso".

    O impacto da experiência surpreendeu a quase todo mundo, aqui.

    "Caminhar pela Via Fondazza mudou", disse Francesca D'Alonzo, 27, estudante de direito que aderiu ao grupo em 2012.

    "Nós nos cumprimentamos. Conversamos. Ficamos sabendo sobre a vida dos vizinhos. Sentimos ser parte de nossa rua, agora", ela disse.

    Os diálogos em geral começam virtualmente mas logo se tornam concretos, permitindo que os moradores se conheçam pessoalmente.

    Todo mundo na Via Fondazza parece ter uma história a contar sobre o grupo. D'Alonzo recorda a festa que deu na véspera do Ano Novo em 2013, quando seus vizinhos, àquela altura quase desconhecidos, trouxeram tanta comida e vinho que ela nem tinha onde guardar as contribuições.

    "É o hábito mental que é saudável", ela disse. "Você permite que as pessoas entrem em sua casa porque as conhece e confia nelas o bastante para deixar que tragam ainda mais gente. Sua vida se abre".
    Alguns meses atrás, Caterina Salvadori, roteirista e cineasta que se mudou para a Via Fondazza em março, postou no Facebook a mensagem de que sua pia estava entupida. Ela conta que em cinco minutos recebeu três mensagens do grupo.

    Um vizinho ofereceu um desentupidor, e outro em seguida ofereceu um desentupidor mais eficiente; o terceiro propôs desentupir a pia para ela. A terceira proposta venceu.

    "Você consegue imaginar algo assim, em uma grande cidade?", ela diz, ainda descrente diante de tanta generosidade. "Não é a pia, mas a sensação de proteção e apoio que é tão difícil de encontrar nas grandes cidades, hoje".

    Nadia Shira Cohen/The New York Times
    Bastiani, com a mulher, Laurell (à dir.), e o filho, visitam a vizinha Francesca D'Alonzo (centro)
    Bastiani, com a mulher, Laurell (à dir.), e o filho, visitam a vizinha Francesca D'Alonzo (centro)

    Salvadori e D'Alonzo viajaram de férias ao sul da Itália nas últimas semanas, graças a duas passagens de trem que os Bastiani não puderam usar e ofereceram na página de Facebook da Via Fondazza.
    Este ano, uma jovem expressou preocupações com sua segurança e propôs a criação de uma guarda local.

    Outro morador, Luigi Nardacchione, respondeu que ela podia ligar para ele quando estivesse voltando tarde para casa e ele iria encontrá-la.

    "Estou aposentado. Tenho tempo. Por que não ajudaria?", disse Nardacchione, 64, ex-executivo de uma companhia farmacêutica e cofundador do site Social Street Italia.

    "O princípio é que fazemos tudo que pudermos fazer juntos, em lugar de fazermos algo que nos divida", ele disse. "Isso acaba com a solidão e o medo".

    Nada tem preço, no grupo da Via Fondazza. Algumas das comodidades que a comunidade oferece são doadas, mas a maioria dos benefícios deriva da disposição dos integrantes de ajudar, compartilhar e viver melhor.
    "É um fenômeno muito interessante e exportável, uma maneira espontânea de socialização, com apoio da tecnologia digital", disse Piero Formica, pesquisador sênior no Innovation Value Institute, da Universidade Maynooth, Irlanda.

    "Diferentemente das praças italianas nas quais as pessoas costumavam se encontrar para discutir política, aqui as pessoas se encontram para compartilhar, reduzir custos, aprender umas com as outras e usar recursos juntas", ele disse.

    Na principal mercearia da Via Fondazza, operada por uma família de imigrantes paquistaneses, os moradores podem tomar de empréstimo bicicletas comunitárias e até raquetes e bolas de pingue-pongue, para jogar no pátio da igreja.

    "Muita gente vinha fazer compras aqui, mas não conhecíamos as pessoas de verdade", diz Maryam Masood, vendedora e filha do proprietário da mercearia. "Agora conhecemos, e a vida é muito mais tranquila e feliz".
    "Você sente fazer parte", ela disse.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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