• Tec

    Wednesday, 01-May-2024 05:29:01 -03

    App do ano, Periscope transmite cotidiano, pornô e culto ao vivo

    FELIPE MAIA
    EDITOR-ADJUNTO DE SEMANAIS
    MATEUS LUIZ DE SOUZA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    18/01/2016 02h00

    Adriano Vizoni/Folhapress
    SAO PAULO - SP - BRASIL, 14-01-2016, 19h20: PERISCOPE. Periscope e o aplicativo do ano de 2015 e tendencia para 2016. Tiago Lopes, usuario do app Periscope, diz que o Periscope mudou sua vida. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, TEC) ***EXCLUSIVO FSP***
    O ator Tiago Lopes, que transmite um programa próprio no Periscope

    Em uma tarde de quinta-feira, a tela do celular mostra um homem se masturbando no quarto. Ao lado da imagem, aparecem recados dos espectadores, que assistem ao deleite do rapaz ao vivo e fazem comentários como "Delícia" e "Ow, que doido".

    O protagonista segura o celular que transmite a cena com uma mão e se masturba com a outra. "Tira a mão um pouco para a gente ver", pede um dos seguidores.

    Poucos toques na tela de celular adiante, o cenário é outro. "Faz 20 séculos que Jesus ressuscitou. Críticos dizem que isso nunca aconteceu. Mas, fiel, se aconteceu, nós estamos no caminho certo", prega em tempo real um pastor da Igreja Batista de Vila Mariana, de São Paulo.

    Lançado pelo Twitter em março e eleito pela Apple o aplicativo do ano em 2015, o Periscope permite que usuários façam transmissões ao vivo. É uma das apostas da rede social para se manter relevante, mesmo com seus estagnados 310 milhões de usuários. Na semana passada, as transmissões do app, que tinha 10 milhões de cadastrados até agosto, passaram a surgir na timeline, em tuítes -antes, só era possível divulgar links dos vídeos.

    Ao integrar plataformas, a rede social tenta dar mais visibilidade aos vídeos e se posicionar melhor na disputa do crescente mercado de streaming -o Facebook está gradativamente disponibilizando recurso semelhante.

    Além de muita programação caseira, com cenas banais do cotidiano dos mais anônimos usuários, a Folha observou, por três meses, uma diversidade de usos, da transmissão de cultos religiosos a pornografia e consumo de drogas -em uma cena, um espectador escreveu "Me ensina a fumar" a um rapaz que acendeu um cigarro de maconha ao som de "Another Brick In The Wall".

    A ferramenta foi absorvida pelo marketing. "Marcas já têm usado o Periscope quando estão fazendo eventos, por exemplo. 'Linkam' a transmissão a um tuíte patrocinado", diz Guilherme Ribenboim, vice-presidente do Twitter na América Latina.

    Abriu, por outro lado, espaço a experimentos na criação de conteúdo, com desconhecidos que viram apresentadores de seus próprios programas. Tiago Lopes, ator de comerciais, começou a usar o Periscope há seis meses e diz ter visto nisso uma "luz" para a sua carreira. "É minha própria emissora de televisão. Eu posso falar o que quiser", afirma ele, que não revela a idade para "atingir a todos os públicos".

    Nos programas, não há periodicidade nem pautas definidas. A conversa se desenrola de acordo com as perguntas de quem assiste -e que são mostradas na tela. Lopes criou um relacionamento com a audiência a ponto de lembrar que a mãe de um dos seguidores estava doente. E seus espectadores percebem quando ele está bêbado. "É um público pequeno [10,5 mil seguidores], mas a interação é tão grande que você passa a fazer parte da vida da pessoa e vice-versa."

    A advogada Cristiane Lobo, 36, do Rio de Janeiro, fala ao vivo com seus 24 mil seguidores sobre uma ampla gama de assuntos, de kardecismo a sexo. Neste último caso, especialmente, tem que lidar com comentários como "baixa o cobertor" e "mostra a teta". "Levo no bom humor. Falo que quem tem 'teta' é vaca. Acho que por isso tenho muitos seguidores", diz.

    O Periscope proíbe a pornografia nos termos de uso, mas, na maioria dos casos, depende da denúncia de usuários para detectá-la -nos últimos dias, a Folha se deparou com um número menor de transmissões com esse conteúdo. "A integração com o Twitter reforça a importância do controle. Como o conteúdo será distribuído a mais gente, nossa capacidade de reagir será maior", diz Ribenboim.

    Além de ser óbvio que a pornografia tente pegar carona em uma novidade midiática como essa, é natural que igrejas estejam se apropriando rapidamente dela, na opinião de Eugênio Bucci, pesquisador de mídia e professor da Escola de Comunicações da USP. "Os 'televangelistas' usam a imagem como propulsora da religião. As novas tecnologias também são usadas nesse sentido. Não surpreende haver a temática mística nesse contexto".

    A Igreja Batista de Vila Mariana realiza transmissões desde dezembro e divulga o Periscope em seu site. Darcy Sborowski, 51, pastor da igreja, considera o aplicativo uma evolução da rádio na web, com a qual já contava. "Agora é possível não apenas ouvir a distância, mas assistir ao culto, o que é bom principalmente em épocas em que as pessoas viajam, como janeiro. É claro que há o receio de o fiel trocar a igreja pela internet. Mas não é isso que estamos constatando."

    José Calazans, consultor de mídia da empresa de pesquisas Nielsen, ressalta que o interesse do brasileiro por vídeos na web é muito grande, a ponto de enfrentar os crônicos problemas de conexão.

    Uma pesquisa da Nielsen do ano passado indicou que 54% dos donos de smartphones veem vídeos no aparelho, atividade que só perde para acessar redes sociais (83%) e checar o e-mail (72%).

    De acordo com o estudo, 86% preferem assistir a vídeos por conexão wi-fi, sem custo. "A utilização do vídeo é maior do que se espera pela qualidade da nossa banda larga", aponta Calazans.

    Reprodução
    Transmissões vistas pela Folha no Periscope, com trivialidades, cultos, sexo e drogas
    Transmissões vistas pela Folha no Periscope, com trivialidades, cultos, sexo e drogas

    *

    A EVOLUÇÃO DAS TRANSMISSÕES AO VIVO

    1899
    Telégrafo sem fio transmite resultados de uma corrida de iates para a sede do jornal "New York Herald Tribune"

    1906
    Reginald Fessenden conecta um telefone a um primitivo gerador de ondas de rádio e, de Massachusetts (EUA), toca violino e lê passagens da Bíblia, que são ouvidos por operadores de rádio de navios

    1916
    Lee de Forest transmite partida de futebol americano entre as universidades Harvard e Yale

    1929
    John Logie Baird obtém permissão para lançar um serviço experimental de TV no Reino Unido

    1936
    Em meio a disputas judiciais em relação à escolha da tecnologia padrão para a transmissão de imagens na Alemanha e na Inglaterra, a BBC, que monopolizava o rádio no Reino Unido, organiza a transmissão do primeiro programa de TV, o "Here's Looking at You"

    1957
    O videotape é inventado –mas, muito caro (cada hora de gravação podia custar cerca de US$ 2.500), só seria adotado gradualmente nos anos seguintes; alguns conteúdos continuariam a ser transmitidos ao vivo até meados dos anos 1970, como no caso das novelas

    1963
    O funeral do presidente norte-americano John F. Kennedy, morto a tiros em 25 de novembro, é transmitido ao vivo pela TV

    1969
    A missão Apollo 11, que colocou os primeiros astronautas a caminhar em solo lunar, passa em quase todas as emissoras do mundo (nos EUA, atingiu 93% do total de espectadores; no mundo, calcula-se que foram mais de 500 milhões de pessoas)

    1985
    O Live Aid, concerto que aconteceu simultaneamente na Inglaterra e nos EUA para arrecadar fundos para ajudar no combate à fome na África é transmitido a quase 2 bilhões de pessoas, em 150 países

    2001
    TVs interrompem a programação normal a tempo de transmitir o segundo avião colidir com as Torres Gêmeas, em Nova York

    2007
    Serviços de streaming ao vivo Ustream e Livestream são lançados. Em 2011, com o app Twitcam, seriam usados para transmitir, na web, a repressão de governos à Primavera Árabe; no Brasil, em 2013, nos protestos contra aumentos de tarifas do transporte público

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024