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    Games fazem jogador viver dramas como perder filho ou sofrer violência

    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO

    01/02/2016 02h04

    Divulgação
    Ryan Green e o filho Joel, que morreu de câncer e inspirou o game 'That Dragon, Cancer"
    Ryan Green e o filho Joel, que morreu de câncer e inspirou o game 'That Dragon, Cancer"

    O bebê não para de chorar. O pai segura o filho, balançando a criança de um lado para o outro. Passeia com ele pelo quarto, lhe dá seu suco preferido. Mas, durante horas, é impossível acalmar Joel.
    Ao viver essa situação, o pai, um designer de videogames americano, pensou: "Se isso fosse um jogo, alguma alternativa faria meu filho parar de chorar". Mas não era.

    Na vida real, Joel, um bebê com um raro câncer no cérebro, sente dor, e o pai, Ryan Green, 35, nada pode fazer para ajudar. "Decidi criar um jogo que refletisse a vida real, mostrando que, às vezes, não temos controle algum sobre ela", conta ele. "That Dragon, Cancer" (esse dragão, o câncer) foi lançado há duas semanas, dois anos após a morte de Joel, aos cinco.

    A proposta de transportar o jogador para outra realidade a fim de criar uma conexão com ele orienta os "empathy games", ou jogos de empatia, gênero que ganhou força nos últimos anos com o lançamento de produtos que narram histórias pessoais.

    "Os jogos foram originalmente concebidos como produtos para entretenimento. Agora, há uma evolução de sua narrativa", diz David de Oliveira Lemes, professor de tecnologia e mídias digitais da PUC-SP. "A técnica é a mesma, mas os games são usados positivamente para contar histórias de impacto, como de doenças e problemas sociais."

    Cenários poéticos e oníricos permeiam "That Dragon, Cancer", que dá ao jogador a possibilidade de explorar cantos do hospital, ou então ver cenas do cotidiano da família Green, brincando com Joel, conversando sobre o trânsito no caminho para o tratamento, ou rezando pelo filho. Às vezes, o jogador assume a perspectiva de Joel, vendo o mundo através de seus olhos.

    Na primeira referência desse gênero de jogos, "Papo & Yo", de 2012, uma criatura gigante representa o pai abusivo de uma criança. Ao comer sapos, o pai torna-se violento –os animais são uma delicada metáfora para o álcool.

    Em "Depression Quest", de 2013, o papel assumido pelo jogador é de um homem com depressão, e é possível acompanhar os questionamentos de seu dia a dia. Algumas alternativas, como levantar da cama para ir trabalhar, por exemplo, estão desbotadas, para mostrar, como em "That Dragon", que certas vontades são mesmo inacessíveis.

    A vida de um inspetor de imigração é retratada em "Papers, Please" (documentos, por favor), de 2013, que propõe dilemas morais como: "Devo negar a entrada da mãe de um imigrante porque seus documentos expiraram?".

    Mas há controvérsias em relação a esses jogos: autora de "Dys4ia" (ou "disforia", que, aplicada ao conceito de gêneros significa o desconforto com o gênero do nascimento), a designer de games americana Anna Anthropy, uma mulher transgênero, diz que esses produtos são "um atalho conveniente" para quem tem preguiça de se educar.

    "É mais fácil jogar um game de cinco minutos sobre uma mulher transgênero do que de fato convidar transgêneros para sua vida", afirma, por e-mail. "Quem joga 'Dys4ia' não sabe o que é ser transgênero, mas pode achar que sabe. E isso é perigoso."

    O jogo, diz ela, foi feito exclusivamente para mulheres transgênero como ela.

    Mãe de Joel, o bebê de "That Dragon, Cancer", a escritora Amy Green, 34, diz que ler a história de pessoas que passaram por situações semelhantes ajudava a família. "Era fácil pensar: 'Por que comigo? Não é justo'. Com o jogo, esperamos que entendam que estamos todos juntos."

    Para Ryan, o mérito do jogo –feito para todos e direcionado a adultos– está em forçar os jogadores a "pensar de forma diferente sobre pessoas a sua volta". "Muda a forma como tratamos as pessoas, o que assumimos sobre elas. E dá uma voz poderosa a quem não tem."

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