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    ANÁLISE

    Prisão de executivo do Facebook reflete impasse entre Judiciário e empresas de internet

    DENNYS ANTONIALLI
    FRANCISCO BRITO CRUZ
    MARIANA VALENTE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    02/03/2016 02h00

    Na manhã dessa terça-feira (1), o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, foi preso em São Paulo pela Polícia Federal. A ordem foi emitida pelo juiz Marcel Montalvão, da Vara Criminal de Lagarto, em Sergipe. Em nota, o magistrado afirmou que havia determinado ao Facebook "a quebra do sigilo de mensagens trocadas no WhatsApp", o que não teria sido obedecido.

    Casos de descumprimento de ordens judiciais por empresas do setor de internet têm dado margem, nos últimos meses, a decisões radicais: no ano passado, duas decisões, uma no Piauí e outra em São Paulo, determinaram o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil.

    Embora corram em segredo de justiça, informações veiculadas permitem concluir que se tratam de pedidos de entrega de dados de usuários para subsidiar investigações criminais.

    Nesses casos, entretanto, nem sempre o descumprimento é injustificado. Existem situações em que, por razões técnicas, como o funcionamento do serviço ou da própria internet, pode ser impossível cumprir o pedido.

    Após a prisão do executivo, o WhatsApp afirmou que se tratava de um desses casos: não teria como entregar conversas trocadas pelo aplicativo, devido ao sistema de criptografia "end-to-end" que adota. Tal sistema cifra as mensagens no momento do envio, que seguem assim até serem entregues ao seu destinatário.

    Isso impediria que a empresa –ou um terceiro, indevidamente– tivesse acesso ao conteúdo das mensagens. Além de uma medida de segurança, a criptografia "end-to-end" é uma tecnologia desenvolvida para proteger a privacidade dos usuários.

    Nos Estados Unidos, a discussão a respeito do uso de tecnologias de segurança ganhou recente destaque, quando a Apple divulgou uma carta aos seus consumidores na qual tornava pública sua resistência em desenvolver, a pedido do governo dos EUA, brechas intencionais na criptografia dos iPhones para que dados ali guardados fossem acessados.

    No Brasil, a prisão parece ter sido a medida encontrada para constranger a empresa, já que as multas diárias não teriam funcionado. Em vez de fundamentar a prisão no crime de desobediência, o que já seria questionável, o juiz usou como fundamento a Lei de Organizações Criminosas (n. 12.850/2013), que prevê o crime de impedir ou, de qualquer forma, embaraçar a investigação de infração penal envolvendo organização criminosa.

    Isso significa dizer que, para ser decretada a prisão pelo crime, teria que haver intenção em colaborar com os investigados, o que parece uma distorção bastante perigosa dos fatos, sobretudo se, efetivamente, as informações solicitadas não podem ser fornecidas pela empresa.

    Impasses como esse crescem à medida que as instituições não estejam abertas ao debate sobre soluções efetivas para melhorar as investigações criminais (como um avanço na cooperação internacional para pedidos de dados) e sobre como alinhá-las com tecnologias criadas para dar à sociedade mais segurança sobre seus dados e comunicações.

    DENNYS ANTONIALLI, FRANCISCO BRITO CRUZ e MARIANA VALENTE são doutorandos em direito pela USP e diretores do InternetLab, centro independente de pesquisa em direito e tecnologia

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