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    Tecnologia colaborativa ajuda a registrar línguas, dialetos e sotaques

    NATÁLIA PORTINARI
    DE SÃO PAULO

    11/02/2017 02h00

    Reprodução/Projeto Idiomas em Risco
    Mapa do Endangered Languages Project (Projeto Idiomas em Risco)
    Mapa do Endangered Languages Project (Projeto Idiomas em Risco)

    Entre os crenaques, cerca de 400 índios brasileiros que habitam o Vale do Rio Doce, apenas mulheres com mais de 40 anos ainda conhecem a língua da etnia. Se os jovens crenaques não aprenderam a falar sua língua, ela deve ser resgatada?

    Para os indígenas e para uma comunidade de linguistas e entusiastas de tecnologia do mundo todo, sim.

    Desde 2012, mais de 16 mil pessoas já se inscreveram para colaborar com o Projeto Idiomas em Risco, um mapa-múndi de línguas classificadas pelo nível de risco de desaparecerem. Há a quantidade de falantes dos idiomas, além de vídeos com exemplos de dança, música e fala de cada região, submetidos pelos próprios usuários.

    Com patrocínio da Fundação de Ciência Nacional (NSF, em inglês) dos EUA, o Idiomas em Risco tem 15 pesquisadores e 18 diretores regionais que checam constantemente as informações acrescentadas ao site. São mais de 3.000 línguas documentadas, de um total estimado de 7.000 no mundo.

    "A crise das línguas em risco é amplamente reconhecida hoje como um dos problemas mais graves da humanidade", afirma o professor Lyle Campbell, um dos organizadores. A perda de conhecimento transmitido oralmente nas línguas tribais é uma das preocupações dos cientistas.

    Krenak

    Os linguistas são os primeiros a dizer que as línguas se transformam e que erros gramaticais e estrangeirismos não são motivo para pânico. Mas, além do fator científico, há o aspecto afetivo, segundo o professor Eduardo Navarro, especialista em línguas amazônicas da USP (Universidade de São Paulo).

    "As línguas garantem a diversidade cultural da humanidade", diz Navarro para a Folha. "Muitas vezes os linguistas só pensam em fazer inventários dos sistemas fonéticos e das gramáticas. Isso é pouco. É preciso que a língua seja falada. Quando uma língua morre, uma experiência humana se empobrece."

    Segundo o pesquisador da USP, no Brasil havia 1.000 línguas indígenas na época do descobrimento, das quais 180 estão vivas hoje (o Idiomas em Risco conta 184, incluindo línguas "dormentes", ou seja, sem falantes fluentes).

    Nos Estados Unidos, uma língua que passou por um "resgate" linguístico é o cheroqui. Os índios norte-americanos criaram um aplicativo de aprendizagem ("Cherokee Syllabary") disponível para Android, uma fonte para escrever em smartphones e uma versão do Windows 8 traduzida para o idioma. Graças a iniciativas como essas, a quantidade de falantes de cheroqui não está mais decrescendo desde 2008.

    No site do projeto Enduring Languages ("línguas que resistem"), da Fundação National Geographic, há uma enciclopédia digital de línguas do mundo todo, com dicionários acompanhados de áudio gravados pelos falantes.

    As técnicas também podem superar a efemeridade da internet, como tenta fazer o Rosetta Project, ideia inspirada na Pedra de Roseta, o artefato que possibilitou a compreensão dos hieróglifos egípcios no séc. 18.

    Rosetta

    Em 2008, o projeto criou um disco de níquel em que, em escala microscópica, estão gravadas informações sobre 1.500 línguas. Os interessados podem comprar também uma versão em pingente —quanto mais cópias, maior a possibilidade de preservar as línguas humanas, dizem os criadores.

    "De 50 a 90% das línguas do mundo vão desaparecer no próximo século, muitas com pouca ou nenhuma documentação", diz a descrição do Rosetta Project. "O disco de Rosetta cabe na palma da sua mão, mas contém 13 mil páginas de informação." Cada página tem a espessura de cinco fios de cabelo e pode ser lida com ampliação ótica, para comodidade dos futuros terráqueos.

    COM SOTAQUE

    Recentemente, os sotaques também ganharam atenção no site Localingual, em que os usuários gravam a própria voz ostentando pronúncias como a de um "biscoito" carioca ou um "barbaridade, tchê" porto-alegrense.

    A rede de sotaques foi criada por David Ding, ex-programador da Microsoft que teve a ideia do site em uma viagem pela Ucrânia. A intenção é auxiliar o aprendizado das línguas, além de celebrar a diversidade regional.

    Para tornar as colaborações confiáveis, é possível votar com um "joinha" se o áudio é uma boa reprodução do sotaque ou não. No Estado de São Paulo, já foram registrados 12 sotaques, como os de Santos, Sorocaba e Ribeirão Preto —confira abaixo.

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