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COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

28/06/2014 20h28

O número de casos de dengue no Brasil pode ser até dez vezes maior do que o registrado oficialmente, segundo infectologistas ouvidos pela Folha. Só neste ano, até o último dia 7, foram 551.502 notificações, de acordo com o Ministério da Saúde.

No país, é obrigatório notificar os casos confirmados e os suspeitos da doença.

"Se a gente quiser ficar perto do real, teríamos de pegar o número de casos notificados e multiplicar cerca de dez vezes", diz Edimilson Migowski, chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos 15 médicos ouvidos pela Folha.

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As causas apontadas para a subnotificação são falta de sintoma específico, não realização de exames comprovatórios e burocracia para fazer o cadastro.

Editoria de Arte/Folhapress
COMO SE PEGA DENGUE
COMO SE PEGA DENGUE

O principal problema da subnotificação é que, com ela, as autoridades de saúde não conseguem planejar adequadamente as ações de controle do Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença.

"Com os registros corretos, é possível direcionar as ações de controle do mosquito para uma determinada região, avaliar a tendência de crescimento ou declínio da doença, estruturar a rede de assistência e avaliar se os programas implantados estão dando conta do recado", explica Rodrigo Angerami, da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Para Luiz José de Souza, gerente do Centro de Doenças Infecciosas de Campos dos Goytacazes e presidente da Sociedade de Clínica Geral do Rio de Janeiro, as notificações dos casos estão muito aquém da realidade.

"Na rede privada, não há cobrança para que isso seja feito e, nos centros de atendimento público, são tantos os casos de suspeita que os médicos não têm tempo para registrar todos. É preciso multiplicar por dez", diz.

"Os médicos particulares não têm o hábito de notificar", afirma Caio Rosenthal, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Como o tratamento é simples, repouso e hidratação, muitas vezes os médicos o prescrevem sem mesmo fazer o exame que comprova a doença e sem notificá-la.

Além disso, muitos doentes nem tomam conhecimento de que foram infectados.

"Precisamos lembrar que a dengue apresenta sintomas que podem mimetizar outras doenças: leptospirose, febre amarela, malária, hepatite infecciosa, influenza, bem como outras febres hemorrágicas transmitidas por mosquitos ou carrapatos. Muitos pacientes morrem de hemorragia sem que tenha sido feito o diagnóstico, dado que não é solicitado o exame confirmatório ou realizado necropsia", afirma Alexandre Vargas Schwarzbold, especialista em doenças infecciosas e doutor em ciências médicas no Hospital Universitário de Santa Maria (RS).

BUROCRACIA

Apesar de o registro ser obrigatório, os relatos ouvidos pela Folha afirmam que nem todos os médicos informam às prefeituras.

Um dos entraves é a burocracia para a notificação. Uma das fichas cadastrais tem mais de 60 itens.

"O preenchimento da ficha de notificação é extenso e demorado. Não há tempo para o médico fazer o atendimento e preenchê-la, com fila de espera nas emergências e pronto atendimentos", aponta Filipe Prohaska, infectologista de Pernambuco.

Além do médico, outros profissionais de saúde também podem fazer o preenchimento da notificação.

Uma das soluções apontadas é a mobilização de equipes destinadas exclusivamente para fazer os registros. É o que acontece no Hospital das Clínicas de São Paulo.

"No HC, não há subnotificações. Toda suspeita de dengue é repassada para o núcleo de vigilância, que preenche a ficha", diz Izabel Marcilio, responsável pelo Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Há um cadastro diferente segundo a gravidade (de suspeita a dengue com sinais de alarme, antiga hemorrágica).

O documento é enviado para as Supervisões de Vigilância em Saúde, que repassam para o ministério. Os casos confirmados são automaticamente notificados.

"A partir do registro dos pacientes, é possível saber onde pode haver mosquitos adultos com o vírus. Assim, a vigilância consegue se mobilizar para eliminá-los", diz Claudio Pannuti, do Laboratório de Virologia da USP.

Para Rosenthal, é importante aumentar as equipes médicas, principalmente dos prontos-socorros, mas também nos serviços particulares, e a ficha poderia ser menor, com pessoas específicas, como uma secretária, destinada a fazer o preenchimento.

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, são investidos cerca de R$ 50 milhões anuais para auxiliar os municípios no combate à dengue.

Na capital paulista, com 12.531 casos até o dia 26 e dez mortes no ano, há 2.700 agentes de combate a zoonoses.

O Ministério da Saúde nega que haja subnotificações e afirma que destinou R$ 363 milhões para o aprimoramento das atividades de prevenção e controle da doença nos municípios, dos quais R$ 53,6 milhões foram repassados para as cidades-sede da Copa do Mundo.

NO MUNDO

A dificuldade na notificação de casos de dengue não está restrita ao Brasil.

Segundo dados da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, o número de infectados mundialmente pode chegar aos 390 milhões todos os anos, estimativa três vezes maior do que a da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Uma das maiores dificuldades na compilação dos números é o diagnóstico, conta Raman Velayudhan, coordenador do Departamento de Controle de Doenças Tropicais da OMS.

No continente africano, por exemplo, quando alguém aparece nos hospitais com febre alta, a primeira suspeita não é a de dengue. "Todos parecem pensar que é malária ou outra doença".

DANIELA BERNARDI, MARILICE DARONCO E REBECCA VICENTE são trainees do 2º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde, que tem patrocínio institucional da Pfizer. "Dengue" é projeto final da turma.

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