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DANIELE BELMIRO
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

09/07/2015 00h01

Assaltos noturnos à geladeira não devem ser subestimados. Eles podem indicar o transtorno da compulsão alimentar, um distúrbio marcado por episódios de comer muito e rápido e depois sentir arrependimento, pelo menos duas vezes por semana. Trata-se de uma das desordens alimentares mais comuns entre adultos e idosos.

Esse transtorno é frequente nos obesos. "Começava a comer e não parava mais. Devorava uma torta inteira. Comia escondido, quando todo mundo estivesse dormindo. Botava os papéis de bombom no fundo da lixeira, para ninguém ficar sabendo", conta a pedagoga aposentada D.G., 58, que chegou aos 130 kg.

Hoje, com a ajuda do grupo Comedores Compulsivos Anônimos, tem aprendido a controlar os ataques de gula e chegou aos 95 quilos. "Mas vou ser compulsiva para o resto da vida", diz.

A maioria dos pacientes que manifesta transtornos alimentares depois dos 50 anos já tinha experimentado sintomas brandos na juventude. "O indivíduo apresentava um comportamento alimentar inapropriado e algum nível de distorção da imagem corporal. Por algum fator de estresse, o quadro se instala de maneira completa na meia-idade", explica Alexandre Azevedo, psiquiatra do Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares), do Hospital das Clínicas da USP.

No Ambulim, um em cada cinco pacientes atendidos neste ano tem entre 50 e 70 anos. O psiquiatra afirma que, na vida adulta, quadros clínicos que exigem uma dieta de restrição, e consequente perda de peso, podem precipitar transtornos alimentares.

Pacientes com histórico de desordem alimentar podem piorar quando notam sinais de envelhecimento no próprio corpo, diz a psiquiatra Denise Achôa, do Proata (Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares) da Unifesp.

A professora aposentada Sônia Ferraro, 70, teve sobrepeso na juventude e sempre fez dieta. Aos 59 anos, desenvolveu um quadro de anorexia. Na época, ela teve depressão e estava trabalhando cerca de 17 horas por dia. Alimentava-se mal, passava o dia com um sanduíche e uma fruta.

"A primeira vez que me pesei e vi que tinha emagrecido bastante, eu me assustei. Mas depois comecei a gostar. Estava realizando um sonho de adolescente. Comia o mínimo e fazia muito exercício. Cheguei a 33 kg e fui internada com risco de vida."

Ferraro afirma que a anorexia não tem cura. "Eu a controlo com terapia, mas qualquer coisa é um estalo para eu restringir a comida. Não gosto de ouvir elogios, por exemplo. Quando me dizem que estou bonita, é como se dissessem 'como você está gorda'", afirma.

Apesar de lhe dizerem com frequência que está magra, ela não acredita. "Não gosto de me olhar no espelho, sempre me acho gorda", diz.

Estima-se que 13% das mulheres com 50 anos ou mais apresentam algum sintoma de transtornos alimentares, segundo estudo publicado no "International Journal of Eating Disorders" em 2012. Nesse trabalho, a psiquiatra americana Cynthia Bulik, uma das principais referências na área, analisou 1.849 mulheres e observou que os comportamentos mais recorrentes entre elas eram a compulsão alimentar e o vômito induzido.

Já entre os homens, os transtornos alimentares são mais raros e menos estudados, mas também acontecem. Segundo Azevedo, a proporção entre os gêneros vem mudando: há cerca de 20 anos, para cada homem com um distúrbio desse tipo, havia nove mulheres. Hoje, são seis.

Não é fácil tratar os mais velhos. "Esses pacientes têm vergonha porque acham que é doença de jovem e têm medo de se tornar um problema na família. É duro fazer uma abordagem com terapia de família, como no caso dos adolescentes. Eles acabam ficando muito sozinhos no tratamento", afirma Achôa.

Os efeitos dos transtornos alimentares também podem ser mais devastadores acima dos 50, devido ao maior risco de complicações clínicas, como osteoporose, comprometimento gastrointestinal e doença cardiovascular.

Para identificar o problema, é preciso estar atento aos sinais, como descontrole ao comer e tentativas de compensação por vômitos, uso de laxantes ou atividade física. Preocupação excessiva com o corpo, autoimposição de dietas e o discurso monotemático sobre alimentação também são frequentes.

DANIELE BELMIRO fez o 3º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, patrocinado pela Pfizer.

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