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    Passeio na região de Veneza passa por canais, vilas de pescadores e pântanos

    DO "GUARDIAN"

    03/05/2014 01h49

    Quando o avião começa a descer para a aterrissagem no aeroporto Marco Polo, em Veneza, eu olho pela janela, como a maioria dos passageiros, e vejo os palácios, as igrejas e o labirinto de canais de "La Serenissima". Daqui de cima, também fica claro que Veneza não é muito mais que um ponto no meio de uma laguna que se estende por mais de 500 quilômetros quadrados. E esse é só o começo de uma teia de pântanos –lagoas, canais, deltas e reservas de espécies selvagens– que passa pela costa do mar Adriático até o norte de Trieste.

    Em vez de pegar um ônibus para Veneza, nós alugamos um carro e nos enveredamos pela costa do Adriático em direção à praia do resort de Lido di Jesolo. A partir do aeroporto, a estrada logo começa a correr lado a lado com a laguna de Veneza.

    Marcelo Justo - 15.set.2011/Folhapress
    Gondoleiro manobra em um dos muitos canais na laguna de Veneza, na Itália
    Gondoleiro manobra em um dos muitos canais na laguna de Veneza, na Itália

    Na vila de Caposele, 20 quilômetros ao leste, os turistas seguem as placas rumo a Jesolo, mas nós fazemos uma curva na direção do vasto "valli da pesca" (reserva de peixes) que ocupa a maior parte do nordeste da laguna. Primeiro, contudo, somos parados pelo guardião de uma ponte surreal sobre o rio Sile: é uma ponte a pagamento (o acesso é cobrado), sustentada por pontões que remontam à Segunda Guerra Mundial. São cobrados € 0,70 (R$ 2,15) pelo privilégio de atravessá-la.

    A via fica cada vez mais estreita conforme entramos nas "barene", areais que se estendem até onde a vista alcança. Não há uma única casa ou pessoa à vista: apenas garças e gansos roçando a água.

    AGROTURISMO

    Assim como muitas estradas da região, esta não vai a lugar algum. Mas, felizmente, o local onde ela acaba é a Agriturismo La Barena, uma antiga fazenda de tijolos vermelhos com vista para a laguna e com quartos de hóspedes. É o lugar perfeito para sentir a vida no pântano: a família Vianello, dona da fazenda, também aluga remos e lanchas e leva os visitantes para pescar.

    "Meu avô construiu essa casa há cem anos," conta Michele Vianello, "e o que eu quero é que os turistas venham e vejam uma outra Veneza –a Veneza da laguna, do silêncio, da beleza estonteante do ecossistema. Nós poderíamos estar a um milhão de milhas das multidões que circulam na praça de São Marcos todos os dias, mas estamos só a uma hora de barco de lá. Esse é outro mundo; escute o silêncio –tudo que você consegue ouvir são os patos ou um peixe saltando da água."

    Nos fins de semana, o restaurante da Agriturismo serve pratos feitos com os produtos que a própria família mantém. Os Vianello cultivam seus vegetais, criam animais e pescam usando o tradicional método "cogolo trapnets" ao longo da reserva. A maioria opta pelo cardápio de sete pratos por € 25 (R$ 76,85), com vinho incluso. Dependendo do humor do chef, você pode acabar saboreando especialidades venezianas, como o risoto de fígado de frango, acompanhado por frango, pato selvagem, bife com raiz-forte e pesto com salsa e alho, ou um cardápio vegetariano com alcachofra, abobrinha, radicchio e cardos que crescem no solo arenoso e salgado da laguna.

    VILAS DE PESCADORES

    Quando vamos embora, Michele monta uma rota e em breve estamos de volta à estrada, parando brevemente em Cortellazzo, onde o rio Piave deságua no mar. Essa vila tranquila é famosa pela balança da pesca –dúzias de redes enormes suspensas sobre o estuário, que são baixadas para a água uma vez por dia e depois puxadas de volta cheias de peixes, lulas, caranguejos e enguias. Na verdade, a prática é ilegal, mas tolerada na região, especialmente porque todos os restaurantes de Cortellazzo compram peixe da balança.

    Caorle, algumas milhas ao leste, foi imortalizada por Ernest Hemingway em 1950, na novela Do Outro Lado do Rio, Entre as Árvores. É tentador fazer uma parada nessa imensa laguna, mas, apesar das cabanas dos pescadores, pintadas e reluzentes, no centro histórico, Caorle se transformou num mero resort, então seguimos rumo ao leste, pelo rio Tagliamento, para a bem menos conhecida Marano Lagunare.

    Marano tem um dos mais maravilhosos pântanos dessa parte do Adriático, com uma reserva natural que é um paraíso para a observação de aves no delta do rio Stella. Como não há praias nessa parte da costa, o turismo passou por Marano e não ficou. O porto continua funcionando e 300 dos seus 2 mil habitantes ainda trabalhando como pescadores.

    Glauco Vicario dirige a mágica reserva natural de Valle Canal Novo, na qual você entra a partir do centro da cidade. Ele diz: "Marano felizmente não foi arruinada pelas levas de turistas no verão, e cada vez mais as pessoas estão acordando para o turismo sustentável e vindo para cá o ano todo. Elas podem explorar a reserva e os pântanos do rio Stella praticando caminhada, pedalando ou em caiaques e barcos de pescadores. No inverno, nós temos os cruzeiros gastronômicos "laguna in tecia", no qual os passageiros velejam e apreciam uma tradicional refeição da culinária da laguna –dourados, robalos e lagostins frescos."

    CABANAS DE CANA LACUSTRE

    As "casoni", cabanas espartanas de pescadores construídas em isolados areais de cana lacustre - juncos parecidos com bambus que crescem nesses estuários –são exclusividade das lagunas do Adriático. Marano tem mais de 30 "casoni" preservadas, todas de pescadores. Um deles é Bruno Popesso, sogro de Glauco, e ele nos convida para um almoço com tainha grelhada, recém-retirada da água.

    A "casone" de Popesso parece pequena do lado de fora, mas por dentro é bastante espaçosa, com quarto, forno com chaminé e pesados garrafões de vinho. Glauco nos conta que as condições costumavam ser bem piores: "As 'casoni' são anteriores aos barcos motorizados, da época em que os pescadores navegavam até tão longe que não valia a pena ir e voltar todo dia. Então a moradia era muito rudimentar –sem água, eletricidade ou saneamento básico. A entrada de mulheres não era nem permitida devido às condições –às vezes havia uma dúzia de pescadores em cada cabana, se revezando para dormir."

    Nós agora estamos a 161 quilômetros de Veneza e passamos a noite em Aquileia, perto de Grado. Hoje em dia é difícil imaginar Aquileia como uma grandiosa cidade romana, a menos que você entre na basílica, cujo chão é tomado por mosaicos do século 4: as cenas de pescadores retratadas neles parecem bem diferentes da vida nas "casoni" atualmente. Depois de Aquileia cair nas mãos dos exércitos de Átila, o Huno, os habitantes atravessaram a laguna, fundando Grado e, depois, Veneza.

    A chegada a Grado é espetacular: você dirige por três quilômetros por uma ponte baixa que parece flutuar acima da laguna. Antes de atingir a cidade, nós pegamos um barco para a mística Isola di Barbana, uma ilha que atrai peregrinos desde a Idade Média. E então seguimos rumo ao ponto mais ao leste da laguna, a reserva natural de Valle Cavanata. É um vale que voltou às condições originais com o banimento da pesca e da caça. Visitantes podem caminhar ou pedalar no perímetro do parque e espiar a vida selvagem, mas não perturbá-la.

    Na primavera e no outono, o antigo porto de Grado é delicioso, com barcos de arrastão atracados no canal no centro da cidade. No verão, ela se torna uma das praias resorts mais cheias do Adriático. Há dúzias de bares e restaurantes, e nós timidamente abrimos a porta do que parecia ser uma discreta taberna em Calle Merlato, o Circolo Sociale dei Graisani de Palu.

    Descobrimos que o lugar é o bar da cooperativa de pescadores local. Os visitantes se sentem em casa, as bebidas custam menos de € 1 (R$ 3,07) e, no final de uma longa noite, um dos pescadores, Roberto Camuffo, nos convida para almoçar na sua "casone".

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