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    Devido à erosão, história do barco de junco peruano pode chegar ao fim

    DO "NEW YORK TIMES"

    19/08/2014 16h24

    Nas horas cinzentas antes do amanhecer nesta cidade turística, os estrangeiros correm ao longo da orla marítima, passando por escolas de surfe e por barracas de souvenir.

    Porém, no mar, os pescadores supervisionam suas redes em barquinhos de junco com proas pontiagudas e curvilíneas, bem parecidas com as que são utilizadas por aqui há milhares de anos.

    Meridith Kohut - 15.jul.2014/The New York Times
    David Ucanan coleta peixes de sua rede com um barco feito de junco
    David Ucanan coleta peixes de sua rede com um barco feito de junco

    Séculos antes da chegada dos espanhóis e até mesmo antes dos Incas estenderem seu império do topo das montanhas para a costa, os pescadores daqui já construíam barcos do junco "totora" que nasce ao longo da costa. Hoje, poucos mantem essa tradição, cultivando o junco e transformando-o em barcos que são conhecidos como "caballitos de totora", ou cavalinhos de junco.

    Mas os canteiros alagadiços onde os pescadores cultivam o junco estão sendo destruídos devido à erosão da linha costeira. E mesmo a pequena reserva separada de vegetação está ameaçada, cercada por casas e por especuladores imobiliários, conforme o valor de terrenos no litoral aumenta.

    Talvez o mais importante, entrar no mar em pequenos barcos de junco tornou-se quase que ocupação exclusiva de homens idosos. Os filhos e netos dos pescadores locais preferem ser instrutores de surfe, trabalhadores na construção civil e policiais, aceitando empregos em barcos pesqueiros maiores ou indo para o exterior em busca de melhor remuneração.

    "Parece que somos a última geração", disse Luis Urcia que, aos 30 anos, é um dos pescadores mais jovens a utilizar regularmente os caballitos.

    Huanchaco, situada na costa norte do Peru com uma população de cerca de 15.000 habitantes, tornou-se um refúgio do surfe, conhecida por ter boas ondas o ano inteiro. Mas a sua identidade está envolvida na tradição dos caballitos, cujas imagens aparecem nos ônibus, nas placas dos hotéis e no brasão da cidade. O prefeito tem uma maquete de um metro de um caballito erguido atrás de sua escrivaninha.

    Os barcos têm cerca de quatro metros e meio, com uma popa plana e uma proa pontuda que se curva para cima e vira uma ponta, como a presa de um elefante.

    Hoje, eles são encontrados apenas em algumas cidades pequenas, embora os barcos de Huanchaco, onde os moradores afirmam existir cerca de 30 pescadores ainda trabalhando regularmente, são considerados por muitos como os mais tradicionais.

    Os pescadores ganham boa parte da renda através do turismo. Alguns dão caronas aos turistas nos seus barcos, por cerca de R$ 8. Outros mais jovens dobram a jornada como instrutores de surfe.

    Recentemente, Carlos Ucañan, de 41 anos, carregou fardos de junco de totora até a praia e rapidamente amarrou tudo para criar um novo barco, que vendeu para um turista americano, Joe Mullray, de 51 anos, por mais ou menos R$ 283. Mullray disse que planejava enviá-lo para casa e usá-lo como prancha de stand-up paddle.

    "São as origens dos surfe do Peru", Mullray disse.

    A ideia de que o caballito é o precursor da prancha de surfe é uma percepção comum aqui, onde os surfistas frequentemente esperam as ondas ao lado dos pescadores que cuidam de suas redes em seus caballitos.
    Contudo, muitos historiadores e arqueólogos afirmam que a ligação é meramente casual. Os pescadores andam nos caballitos tanto de joelhos quanto sentados, e não de pé, embora alguns façam isso como apresentação.

    Gabriel Prieto, arqueólogo que cresceu aqui, disse que a proa curvilínea representa um avanço importante dos fabricantes de barcos pré-hispânicos: um elemento de design que ajudou a cortar as ondas e alcançar águas mais profundas onde peixes maiores podiam ser pegos. "O caballito não é projetado para pegar ondas, mas sim atravessá-las", ele contou.

    Cada pescador tipicamente tem dois barcos. Os juncos absorvem água e, após um dia ou dois nas ondas, os caballitos precisam ficar na praia para secar.

    Os pescadores sempre se aventuram um quilômetro ou dois dentro do mar. Mas a pesca tende a ser pequena e as espécies de peixe que pegam frequentemente têm pouco valor comercial. Boa parte é vendida na praia ou em um pequeno mercado local.

    "Simplesmente, não é lucrativo entrar no mar em um barco que não pode carregar mais de 100 km e trazer peixes que ninguém quer comprar", Prieto disse. "É isso que vai fazer o barco acabar em um museu. A cultura viva de que tanto falamos vai acabar".

    De volta à praia, os barcos, que absorvem água, são postos para secar, descansando encostados em barras de madeira.

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