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    Ex-pescador garimpa objetos raros em duna, falésia e praia de vilarejo

    ROBERTO DE OLIVEIRA
    ENVIADO AO CEARÁ

    11/12/2014 02h00

    De óculos, bermuda, camiseta e chinelo, Josué Crispim, 54, conta que, mesmo tendo estudado só até a quarta série do ensino fundamental, desenvolveu um apreço pela história das civilizações.

    É com sua fala mansa que menciona as adversidades que enfrentou na vila de pescadores onde vive. "Aqui, morávamos totalmente isolados do mundo", diz ele, correndo os olhos por falésias e dunas até ir ao encontro do mar de Ponta Grossa, um vilarejo no leste do Ceará que segue quase imaculado.

    Olhos claros, pele marcada pelo sol, Josué já pescou muito, mas seu barato é outro: a arqueologia. Depois de trocar o mar pela areia, passou a ser conhecido no lugar como o "catador de cacos".

    A menos de 50 passos da barraca Macura, onde toma um refrigerante enquanto proseia, fica o museu improvisado por ele numa antiga igreja evangélica que, hoje alugada, acomoda quase 5.000 peças garimpadas.

    Cachimbos e machados indígenas, utensílios de caça e pesca e até um relógio russo somam-se a vasos e a louças.

    As peças históricas foram encontradas pelo ex-pescador-arqueólogo ao longo dos últimos 37 anos em suas andanças pela praia, nas dunas e por trilhas da região. Josué começou a coletar esses objetos por acaso e nunca mais parou. Até um livro com suas descobertas foi publicado.

    Corria à boca miúda a história de que entre os antepassados dos moradores do vilarejo de Ponta Grossa, havia os holandeses, que estiveram por aquelas praias no período de colonização.

    Na sua rotina de arqueólogo amador, toda vez que Josué se depara com uma peça rara, ele demarca o lugar na areia, indicando a localização exata em que escavou para encontrar cada objeto.

    Roberto de Oliveira/Folhapress
    Josué Crispim, 54, hoje é treinado pelo Iphan para pesquisar
    Josué Crispim, 54, hoje é treinado pelo Iphan para pesquisar

    Em nota, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) diz que vem atuando na área de Ponta Grossa, "com vistas a salvaguardar o importante patrimônio arqueológico de lá".

    O órgão informa que, ao longo de anos, foram coletadas por moradores peças remanescentes do período pré-histórico, como também do histórico e, possivelmente, do período de colonização.

    Alexandre José Martins Jacó, que atua na divisão técnica do instituto, diz que "o procedimento de retirada de materiais arqueológicos deve ser acompanhado de rigoroso processo de documentação".

    Para regularizar a situação em Ponta Grossa e evitar novas coletas assistemáticas, o Iphan está realizando a catalogação, classificação e registro das peças. Alguns moradores, entre os quais o ex-pescador Josué Crispim, vêm sendo treinados para colaborar em atividades auxiliares da pesquisa arqueológica.

    A equipe do Iphan também vem dialogando com a comunidade e a Prefeitura de Icapuí para viabilizar a construção de um espaço museológico que garanta a guarda das peças na própria localidade.

    O lugar, hoje, depende da pesca artesanal da lagosta e de peixes. Começa, porém, a despertar para o turismo sustentável: Ponta Grossa é uma área de proteção ambiental que mantém intacta a beleza de falésias, dunas e mangues.

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