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    Adeptos de 'turismo bêbado' danificam local histórico e se arriscam por selfies

    DOREEN CARVAJAL
    DO "NEW YORK TIMES", EM MAGALUF (ESPANHA)

    15/07/2015 02h00

    Samuel Aranda/The New York Times
    Para as autoridades, o turismo 'irresponsável' prejudica o setor em Magaluf (acima)
    Para as autoridades, o turismo 'irresponsável' prejudica o setor em Magaluf (acima)

    Para uma foto de férias em Magaluf, uma cidadezinha turística na ilha de Mallorca, dois turistas limparam o rosto de um amigo bêbado com um panfleto que anunciava um bufê de coquetéis. Depois, seguraram o amigo entre eles, pendurado pelos ombros, enquanto um terceiro companheiro os fotografava com o smartphone.

    Na Punta Balena, uma alameda iluminada pelo néon de uma sucessão de bares, casas noturnas, restaurantes e lojas com nomes como Sorry Mom Tattoo, ninguém estranhou muito. De qualquer forma, os turistas que circulavam por lá não eram a audiência pretendida. O mais importante era impressionar o pessoal em casa, transformando uma noite de excessos em Magaluf em um post que ganhasse apelo viral no Facebook, no Instagram ou no Twitter.

    De posar nu em Machu Picchu a filmar mergulhos de sacadas de quartos para as piscinas de hotéis, turistas do mundo inteiro vêm se dedicando ao que autoridades e especialistas em viagens definem como epidemia de narcisismo e irresponsabilidade, ao tentar transformar polos turísticos e locais históricos em adereços para suas fotos e vídeos pessoais.

    Nos últimos meses, houve numerosas ocasiões em que turistas insultaram a sensibilidade dos moradores locais –e frequentemente causaram sérios danos– ao tentar capturar, sob enorme risco, um momento de viagem memorável que possam postar na mídia social.

    As autoridades de locais de turismo populares, da Espanha à Malásia, estão começando a reagir, e há novas e severas medidas de controle em estudo para reprimir as formas mais destrutivas de comportamento. Entre as propostas estão multas e prisão para os visitantes desordeiros, limitação do turismo em grupo e até mesmo inverter a jogada dos arruaceiros, postando fotos de suas más ações a fim de envergonhá-los em público.

    Mas o apelo dos bastões de selfies e dos drones (aeronaves de pilotagem remota) equipados com câmeras é forte.

    "No passado, bastava tirar uma foto da Torre Eiffel ou do Monte Everest, mas isso já não é suficiente", disse Jesse Fox, professora assistente de comunicação na Universidade Estadual do Ohio e pesquisadora do comportamento impulsivo dos adeptos dos selfies e das imagens que eles postam nas redes sociais. "Agora os turistas querem se colocar na imagem. O que importa é o 'eu', e não o lugar visitado."

    O narcisismo, ela diz, "resulta nessas formas de comportamento extremas e estúpidas".

    Nos últimos meses, houve muitos exemplos.

    Em março, duas mulheres da Califórnia foram detidas em Roma sob acusação de vandalismo, por terem inscrito suas iniciais em uma parede do Coliseu e tirado uma foto do resultado. Em maio, dois turistas em Cremona, Itália, que haviam subido em uma escultura em mármore do século 18, retratando Hércules, para se fotografar, terminaram destruindo uma coroa que era parte da peça.

    Em junho, três turistas sul-coreanos em Milão causaram uma colisão entre um drone que usavam para obter fotos aéreas e a catedral da cidade.

    Alguns dos incidentes vão além do descuido e demonstram falta de respeito pelos costumes locais.

    Samuel Aranda/The New York Times
    Homem é amparado em parte central do município de Magaluf, na ilha mediterrânea Mallorca
    Homem é amparado em parte central do município de Magaluf, na ilha mediterrânea Mallorca

    As autoridades malásias recentemente detiveram quatro turistas do Canadá, Holanda e Reino Unido por três dias, sob a acusação de indecência pública, depois que eles se fotografaram nus no Monte Kinabalu, em Bornéo.

    E as autoridades egípcias expressaram indignação este ano quando descobriram que turistas russos haviam gravado um vídeo pornográfico de 10 minutos perto das pirâmides de Giza e da Esfinge.

    Este mês, um vídeo do YouTube que mostrava um turista seguindo sorrateiramente uma sentinela do castelo de Windsor, perto de Londres, virou sucesso viral. Quando o turista tocou o soldado, este se virou, apontando o fuzil, e bradou: "Afaste-se da guarda da rainha!" –talvez não exatamente o momento de mídia social que o brincalhão esperava.

    Alguns dos atos também podem ser autodestrutivos, como se vê na proliferação do "sacadismo", em Magaluf e outras cidades turísticas –a prática de pular de sacada em sacada em um hotel ou de mergulhar delas para a piscina, o que muitas vezes resulta em ferimentos ou até morte de turistas embriagados. Uma busca por "balconing" no YouTube revela diversas subcategorias, entre as quais "Ibiza", "Mallorca", "hotel" e "morto".

    A capacidade de registrar e disseminar os momentos mais insanos contribuiu para a reputação de lugares como Magaluf, onde o "turismo bêbado" –o nome que a prática recebe na Espanha– fugiu tanto do controle que o prefeito recém-eleito deseja recrutar policiais britânicos a fim de ajudar a controlar os turistas do Reino Unido que invadem a cidade no verão. O governo local também solicitou apoio da Guarda Civil, uma força paramilitar espanhola.'

    No ano passado, apareceu um vídeo mostrando um jogo que alguns turistas disputam em um clube de Magaluf, e cujo prêmio é um coquetel para a pessoa que fizer sexo oral. Na semana passada, circulou um clipe de um anão meio nu chibateando um noivo em uma festa de despedida de solteiro.

    "O vídeo foi como uma explosão", disse Alfonso Rodríguez, prefeito de Calvià, o município que abarca Magaluf, sobre o vídeo de sexo oral. Ex-professor, ele atribuiu sua vitória eleitoral em maio à reação do eleitorado diante do comportamento excessivo dos turistas.

    "A realidade mudou", disse Rodríguez. "O impacto é que uma má imagem de Magaluf se multiplica nas redes sociais, celulares, YouTube, Facebook, Twitter", ele disse.

    "Isso nos prejudica", acrescentou, "porque a boa imagem de Magaluf –seu investimento em hotéis, na praia e na região que nos circunda– não gera notícia".

    Em Florença, Itália, o prefeito Dario Nardella postou um alerta em sua página de Facebook em junho depois que alguém quebrou um dedo de uma escultura de Pio Fedi, "A Violação de Polixena". Depois disso, turistas em busca de selfies galgaram uma escultura de Dante Alighieri e urinaram no domo da catedral da cidade.

    Nardella prometeu que apresentaria um projeto de lei para punir o vandalismo contra obras de arte públicas com penas severas de prisão. "Quem quer que ataque a cultura", ele advertiu, "está atacando o coração da história e identidade de uma comunidade".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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