• Turismo

    Tuesday, 30-Apr-2024 09:52:19 -03

    Aos 79 anos, idoso de SP viaja para ver o mar pela primeira vez; assista

    FELIPE MAIA
    ENVIADO ESPECIAL A CARAGUATATUBA

    05/11/2015 02h00

    Benedicto Caetano, 79, resiste a tirar as papetes. "Mas eu vou ficar de pé no chão?" Sim, seu Caetano, aqui pode, explicam para ele. Receoso, ele testa a areia, não consegue senti-la direito por sofrer de hanseníase (lepra), mas vai pisando com cuidado e, enfim, toca em água salgada pela primeira vez na vida.

    No primeiro contato, fica com o mar só pelas canelas. Não está pronto para um mergulho. No ônibus, tinha feito piada com a perda da dentadura, mas não confia mesmo é nas pernas. "E se der câimbra? Para ir, até vai, mas para voltar é mais custoso."

    Caetano nasceu em 1936 em Santa Branca, no Vale do Paraíba, ali no meio do caminho para o litoral norte de São Paulo, a pouco mais de uma hora de Caraguatatuba. Passou a vida toda trabalhando em fazendas da região. Orgulha-se de saber construir cercas que, segundo ele, só engenheiros são capazes de projetar.

    Nunca tirou férias –até foi algumas vezes a Aparecida, mas praia ele só conhecia pela TV. "Sempre diziam que iam me levar, mas não dava certo", contou ele, que é viúvo e não tem filhos. A primeira vez foi na última quinta-feira (29), em uma excursão para Caraguatatuba organizada pelo Lar dos Velhinhos São Vicente de Paulo, de Guararema, onde ele vive.

    Sabendo que ele e outros companheiros de asilo nunca tinham feito a viagem, moradores se juntaram para levá-los ao mar. Uma empresa arranjou transporte, outras ofereceram segurança e lanches. "É uma realização para eles. Muitos foram abandonados, a família não vai visitar. É uma forma de sair da rotina", diz Gabriela Barbosa, chefe de enfermagem do lar.

    FILAS DE ONDAS

    Pena que o tempo não ajudou e o sol ficou entre nuvens, com garoas esparsas na maior parte daquela manhã. "Quando tem friagem assim não é muito bom", reclamou Lidia de Souza, 70, de maiô preto e unhas dos pés coloridas de vermelho salpicadas de brilhinhos.

    Não demorou muito até que Caetano se rendesse aos encantos do oceano. Minutos depois da chegada, já confortável em uma vistosa sunga azul, era capaz de fazer analogias entre as filas de ondas que se encaminham para quebrar na orla e outros cenários que lhe eram mais familiares. "Parece uma boiada correndo atrás da outra, igual as que eu pajeava."

    Outras coisas, entretanto, ele não conseguia entender. Curioso como criança, queria saber: afinal, o que tem atrás dessa água toda? E por que o mar vem com essa força para a frente para depois voltar?

    Na falta de palavras para explicar o que estavam sentindo, muitos dos idosos também recorriam a cenários mais conhecidos. Deitado na cadeira de rodas anfíbia, que lhe permitia ficar quase de corpo inteiro na água, o artesão Adeniz Freire, 82, lembrou das brincadeiras de infância no rio Paraíba do Sul.

    "Você não imagina a vontade que dá de entrar na água e sair nadando. Quando eu era menino, não queria sair do rio por nada", contou Freire, que tem pernas atrofiadas.

    Ele não se lembrava exatamente de qual tinha sido a última vez que tinha visto o mar. "Mas eu lembro que só fiquei na areia. Agora fiz questão de entrar no mar e até de tomar água, não importa que seja suja."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024