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    Agências de viagens na isolada faixa de Gaza se recusam a fechar as portas

    NIDAL AL-MUGHRABI
    DA REUTERS

    14/02/2016 02h00

    A agência de viagens de Nabil Shurafa em Gaza já esteve lotada de clientes agendando voos para Londres, Paris, Nova York e cidades do mundo árabe. Ultimamente, ele tem sorte se alguém entra no escritório, já que tão poucos podem sair da região.

    Os pôsteres da torre Eiffel, da estátua da Liberdade e um mapa-múndi parecem deslocados nas paredes, dado o senso de isolamento que permeia Gaza, uma estreita faixa de terra espremida por Israel a leste e a norte, pelo Egito ao sul e pelo mar Mediterrâneo a oeste.

    "Quando as fronteiras são fechadas, as coisas se desligam", diz Shurafa, com uma ponta de resignação. Uma réplica de um avião de passageiros fica em sua escrivaninha, próxima a telefones silenciosos.

    Quando o pai de Shurafa abriu o escritório, em 1952, rapidamente amealhou a reputação de um agente de viagens confiável e prestativo.

    Naquele tempo, Gaza era governada pelo Egito, e não havia muito a se falar sobre fronteiras. Moradores podiam reservar um bilhete aéreo e tomar um ônibus ou trem de quatro horas até o Cairo para pegar o voo.

    A agência tinha um relacionamento próximo com a BOAC, a precursora da British Airways, e a Air France, e é agente de vendas de ambas. Também permanece membro da Iata, a Associação Internacional de Transporte Aéreo.

    "A era de 1952 a 1967 foi de ouro", disse Shurafa à Reuters. As pessoas também costumavam viajar a Gaza, ao menos até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel ocupou Gaza (do Egito) e a Cisjordânia (da Jordânia).

    "Gaza era uma zona 'duty-free', em que egípcios vinham comprar bens trazidos por comerciantes do Líbano", ele lembra.

    Também houve um boom no fim dos anos 1990, depois dos acordos de paz de Oslo, envolvendo Israel e os palestinos, e a abertura em Gaza do aeroporto Internacional Yasser Arafat, em 1998.

    Mas desde então os anos viram um declínio regular nos negócios de Shurafa, conforme a faixa de Gaza ia ficando mais e mais isolada do mundo.

    Quando a Segunda Intifada Palestina estourou, em 2001, a pista e a torre de controle do aeroporto foram bombardeadas por Israel –e permanecem em ruínas.

    Desde 2007, quando o grupo islâmico Hamas tomou o controle do território, após uma breve guerra civil com o grupo apoiado pelo ocidente Fatah, a entrada e a saída de Gaza se tornaram ainda mais restritas, tanto pelo Egito quanto por Israel.

    LIGAÇÕES COM O MUNDO

    Israel permite a cerca de 1.000 moradores de Gaza cruzarem a fronteira até seu território por dia, para trabalhar, fazer tratamentos médicos ou por outras razões humanitárias. Mas é algo bem distante dos milhares autorizados a passar pelo vasto terminal de controle de fronteira construído por Israel em meados dos anos 2000, antes de o Hamas assumir.

    O Egito, enquanto isso, manteve sua fronteira com Gaza em geral fechada nos últimos cinco anos, citando preocupações com a segurança e para colocar pressão no Hamas. Grupos de direitos humanos dizem que 95% da população de Gaza, de 1,95 milhão de pessoas, não pode deixar a região.

    Mesmo os que podem entrar em Israel não podem viajar facilmente a partir dali. Eles precisam de licenças especiais para sair do aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, e para viajar até a Cisjordânia e depois à Jordânia para pegar um voo –e a Jordânia também impôs restrições a vistos para palestinos de Gaza

    A cada poucos meses o Egito permite cerca de 3.000 moradores de Gaza viajarem via Rafah, mas os arranjos são como uma loteria. A fronteira fica aberta por apenas dois ou três dias, então ninguém tem muita certeza se conseguirá cruzá-la. As pessoas ligam para Shurafa quando estão do outro lado e a agência se vira para providenciar voos e hotéis.

    Segundo oficiais palestinos, hoje há 15 mil moradores de Gaza que registraram pedidos de viagem via Rafah –incluindo 3.000 que dizem que precisam dela para tratamentos médicos.

    De 1994 a 2000, depois dos acordos de Oslo e antes da Segunda Intifada, Shurafa estima que seu escritório vendesse 6.000 passagens aéreas por ano. No ano passado, ele vendeu 120.

    Ele teve que mandar embora oito funcionários e hoje trabalha com seus familiares, para manter os custos baixos. Ele raramente cobre os custos mensais de aluguel e operação, de US$ 5.000.

    Mhareb Al-Burai, que administra a agência rival Al-Batra, enfrentou problemas similares. Em vez de voos, seu escritório hoje foca tentativas de vistos para Dubai, a Turquia e a China.

    "Com Rafah fechada a maior parte do tempo, nossos principais clientes são homens de negócios e comerciantes, aqueles que têm permissões válidas para ir a Israel e, de lá, viajar à Jordânia", diz o empresário, de 64 anos.

    Para Shurafa, os adesivos de companhias aéreas na vitrine de sua loja podem parecer fora de lugar, mas ele não desistiu.

    "Pode soar uma ironia falar sobre uma agência de viagens em um lugar como Gaza", ele diz. "Mas alguém precisa ter esperança. Essa é uma história que não podemos abandonar."

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