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    No Airbnb, colonos anunciam quartos em assentamentos da Cisjordânia

    STEVEN ERLANGER
    DO "NEW YORK TIMES"

    11/02/2016 02h00

    Rina Castelnuovo-2.fev.2016/'The New York Times'
    Airbnb listings from the West Bank include this isolated home in Havat Gilad, an illegal outpost near Nablus, West Bank, Feb. 2, 2016. The Palestinian Authority has condemned Airbnb for Òeffectively promoting the illegal colonization of occupied land,Ó while settler groups, naturally, have fought back, encouraging more residents to list their homes. (Rina Castelnuovo/The New York Times)
    Casa em Havat Gilad, em assentamento na Cisjordânia, anunciada no Airbnb

    A "casa estúdio" oferecida por US$ 111 (R$ 432) a diária no Airbnb consiste de uma construção de blocos de concreto erigida a curta distância de edificações vizinhas em Havat Gilad, um assentamento ilegal em plena Cisjordânia ocupada.

    A casa oferece diversos aposentos, com mobília escassa e acabamento incompleto, e há muita porcaria guardada lá dentro, como caixas vazias de munição utilizadas para armazenagem. A vista, do outro lado das colinas, é para a aldeia palestina de Farata e outro assentamento israelense, Ramat Gilad.

    Ilana Shimon nos recebeu ao chegarmos a Havat Gilad, a oeste de Nablus, para um pernoite. Ela e o marido, Yehuda, haviam planejado um jantar e visitas às 30 famílias que vivem nas casas de blocos de concreto, muitas delas embelezadas com azulejos e eletrodomésticos modernos –mais ou menos o mesmo programa que ofereceram a casais holandeses e alemães que se hospedaram com eles antes que eu chegasse acompanhado por um fotógrafo.

    Mas enquanto conversávamos com Shimon em sua cozinha, com a máquina de lavar funcionando e dois de seus oito filhos correndo pela casa, um membro do conselho do assentamento ligou e a instruiu a não permitir que ficássemos. Intimidada pela intervenção, Shimon pediu desculpas.

    "Tenho 40 anos, e vejo tudo que acontece", ela disse, retorcendo as mãos nervosamente. "Que posso fazer? Precisamos respeitar nossa liderança".

    Decididos a não criar dificuldades para ela em uma comunidade pequena e passional, partimos, levando um sabor profundamente desagradável da controvérsia surgida nas últimas semanas no Airbnb, por o site permitir que colonos israelenses na Cisjordânia ofereçam aposentos para locação no site mundial de hospedagem, sem menção ao fato de que esses assentamentos são considerados ilegais pela maior parte do mundo.

    A Autoridade Palestina condenou a empresa por "efetivamente promover a colonização ilegal das terras ocupadas". As associações de colonos naturalmente contra-atacaram, encorajando mais moradores a oferecer no site acomodações em suas casas, como nova plataforma para promover sua intenção de expandir Israel para além das fronteiras que o país tinha em 1967; elas estão conduzindo jornalistas em visitas a imóveis cuidadosamente selecionados.

    A maioria desses imóveis é alugada por famílias israelenses para visitas em fins de semana, ou por turistas cristãos da Europa e, cada vez mais, de Taiwan e da Coreia do Sul.

    Embora o Airbnb venha sendo foco de ataque para os críticos de Israel e da ocupação, muitos dos imóveis também são oferecidos em outros sites, como o Booking.com e o TripAdvisor. Alguns ficam em assentamentos suburbanos perto de Jerusalém, que a maioria dos israelenses e muitos especialistas internacionais esperam ver incorporados ao Estado judaico sob um futuro acordo de paz, mas as ofertas incluem locais em postos avançados distantes e não autorizados, bem além dos subúrbios, como Havat Gilad.

    Batizado em homenagem a Gilad Zar, um chefe de segurança dos colonos, o assentamento foi estabelecido em 2002 e resistiu a esforços intermitentes e ocasionalmente violentos do exército israelense para demoli-lo. A missão ideológica fica clara no site de Havat Gilad: "Nossa presença aqui tem por objetivo sublinhar nosso direito a viver na Terra de Israel, e de fazer com que o povo de Israel e do resto do mundo saiba que todas as tentativas de nos enfraquecer e desencorajar fracassarão".

    Alguns moradores de Havat Gilad foram aprisionados por acusações de vandalizar propriedades palestinas, e no mês passado soldados israelenses mataram um palestino e feriram um segundo quando eles estavam se preparando para jogar uma bomba incendiária na estrada de terra que conduz ao assentamento, segundo as forças armadas de Israel.

    Um visitante, Ron, de Amerongen (Holanda), que se hospedou na casa estúdio em novembro, não parecia incomodado com os antecedentes do local.

    "Para alguém que queira uma sensação verdadeira das comunidades da Samaria, esse é o lugar a visitar", ele escreveu em uma crítica no Airbnb, usando o nome bíblico para a porção norte da Cisjordânia. "A aldeia não é protegida por uma cerca, mas é assim que eles vivem aqui; por que não podemos fazer o mesmo?"

    Os colonos estão em busca de outras pessoas como ele, e veem o Airbnb como contraponto para o crescente movimento de boicote a empresas israelenses na Cisjordânia, especialmente em um período no qual os ataques palestinos contra israelenses desestimulam o turismo.

    "Nosso pessoal encara essa questão como desafio e começou a oferecer hospedagem no Airbnb", disse Miri Maoz-Ovadia, porta-voz do conselho dos colonos, que organizou visitas de jornalistas na região.

    Entre os moradores visitados estava Maanit Rabinovich, 34, mãe de quatro crianças e artista que trabalha com vidro, que oferece "uma visita inesquecível a Kida" por US$ 104 (R$ 405) a diária ("desjejum suntuoso ocasional"). A oferta no Airbnb descreve Kida, que abriga cerca de 60 famílias e tampouco conta com autorização do governo israelense, simplesmente como "ao norte de Jerusalém".

    "Esperamos ter autorização um dia", ela disse, durante a visita. "Contribuímos para com a sociedade israelense, pagamos impostos em Israel e nos sentimos parte do país".

    A visita também destaca a vinícola de Psagot, nas imediações, que em resposta a medidas da União Europeia para rotular produtos dos assentamentos como "produzidos nos assentamentos da Cisjordânia", e não "produzidos em Israel", começou a oferecer uma nova cesta de alimentos chamada "as bençãos de Israel".

    Noa Shlomay, que trabalha na vinícola, disse que "rotulamos com orgulho" os produtos como sendo "dos lugares onde são produzidos", acrescentando que "sempre que há barulho" sobre um boicote, "muita gente que ama Israel nos procura para expressar apoio a nós e aos comerciantes".

    Havat Gilad, porém, não consta do itinerário aprovado de assentamentos. A colônia é um símbolo de desafio não só aos palestinos e ao mundo em geral como ao governo de Israel.

    O homem que ligou para Shimon e disse a ela para não permitir nossa estadia no assentamento foi Boaz Haetzni, membro do conselho regional da Samaria, que insistiu que jornalistas precisam de permissão do conselho para visitar a área, apesar de o assentamento oferecer acomodações no Airbnb.

    "Nós decidimos quem pode vir e quem não", ele disse, quando enfim consegui contatá-lo por telefone. "E o fazemos em ordem determinada, para reuniões com representantes oficiais do conselho".

    Falando em inglês, que não é seu idioma de origem, ele acrescentou que "nosso medo é que vocês cheguem se fazendo de bonzinhos e depois nos pintem em cores sombrias".

    Perguntado se isso não representava um esforço de controle da mídia em estilo soviético, e se o conselho não confia nos cidadãos da área, ele insistiu ter feito apenas "uma sugestão" a Shimon, mas acrescentou que "minha sugestão bastou para que ela decidisse".

    Quando a notícia de nossa expulsão se espalhou, líderes mais conciliadores dos colonos ligaram para pedir desculpas, entre os quais David Perl, que preside o conselho em Gush Etzion, uma série de assentamentos ao sul de Jerusalém que a maior parte dos israelenses presume serão trocados por outros territórios em um futuro acordo com os palestinos.

    Perl disse acreditar que o assunto Airbnb desaparecerá, como aconteceu com outros protestos.

    "Com a Internet, as pessoas veem uma área bacana, barata, e logo querem ir, nem se incomodam", ele explicou. "Querem ver tudo, Jerusalém, Belém, os locais do cristianismo. O mundo se globalizou, e nada impedirá que as pessoas venham".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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