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    Estação 'pronta para o Instagram' é inaugurada no World Trade Center

    MICHAEL KIMMELMAN
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    04/03/2016 02h00 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Por 12 anos, o World Trade Center Transportation Hub foi uma área de desastre. A pomba da paz de Santiago Calatrava, com a estrutura reforçada para atender às exigências de segurança, passou por uma devolução que fez dela uma carcaça de dinossauro.

    O custo do projeto disparou rumo a absurdos, inacreditáveis, US$ 4 bilhões em dinheiro público, e isso para um complexo de transporte coletivo que representa apenas a 18ª das estações de metrô de Nova York em termos de movimento, abrigada dentro de um shopping center que fica a apenas um quarteirão de outro shopping center.

    E o projeto não representa um verdadeiro polo de transporte. Um emaranhado de passagens subterrâneas conecta o local a diversas linhas de metrô, mas as transferências não são gratuitas. Na verdade, o projeto não passa de uma estação glorificada do sistema de trens de subúrbio PATH, atendendo a 50 mil passageiros por dia (durante a semana) em sua passagem de e para Nova Jersey.

    As previsões da Port Authority of New York and New Jersey, a autarquia de transporte coletivo que construiu a estação, são de que esse total de alguma forma dobrará quando o projeto estiver concluído, mas elas parecem tão confiáveis quanto as projeções iniciais de que a construção levaria cinco anos e o custo seria de US$ 2,2 bilhões.

    Mas calma lá. O complexo deve ser inaugurado na quinta-feira, ou pelo menos parte dele, o que inclui a maior parte do saguão principal, conhecido como Oculus. E à primeira vista, a arquitetura de Calatrava quase consegue –quase– levar o observador a esquecer que a coisa toda é uma épica impostura. Aquela primeira visão, quando você se posiciona dentro do Oculus e olha para cima, é de cair o queixo.

    Paredes curvas, com estrutura de aço, se estendem por 48 metros como um par de imensas conchas em direção a uma faixa de vidro que serve como claraboia para o gigantesco espaço. Visitei o local em uma manhã recente, quando o sol brilhava através das vidraças, entre as colunas metálicas, iluminando a dança das partículas de poeira e se dividindo em múltiplos feixes.

    A luz se derramava pela claraboia, cujas placas de vidro podem ser abertas. E consegui imaginar alguma alma poética e audaciosa em meio às fileiras de empregados da Port Authority permitindo a entrada de uma cascata de flocos de neve cobertura abaixo, um dia, para se dissolver no vasto piso de mármore branco.

    É claro que a hoje imaculada e límpida catedral do espaço público em breve irá se tornar só a entrada para um espaço que abrigará mais uma loja da Apple, mais uma loja de John Varvatos. A Port Authority precisa recuperar a fortuna que investirá em tinta branca para impedir que o lugar comece a parecer encardido imediatamente.

    Presumindo o melhor, os passageiros se encaminharão a plataformas de embarque e desembarque luminosas e convidativas, comprando uma caixa de suco de laranja e uma cópia do "New York Times" em uma banca da Hudson News –e o complexo não trará à memória as insanidades superdimensionadas da era soviética, um falso Palácio do Povo que prestaria testemunho sobre um governo incapaz mas ainda assim ousado.

    Veremos.

    Enquanto isso, a cidade ganha uma atração pronta para o Instagram, a qual seus defensores insistem jamais será recordada como a estação de trem mais cara de todos os tempos. Quem é que se lembra quanto custou a estação Grand Central?

    Na verdade, eu me lembro. Custou cerca de US$ 80 milhões, ou cerca de metade do preço do novo complexo, considerada a inflação –e o dinheiro com que ela foi construída era privado, e não público. A Grand Central deflagrou um boom de construção que transformou os quarteirões vizinhos e a economia da cidade.

    O novo complexo foi encaixado como que à fórceps em um conjunto de edifícios de escritórios inacabado na porção sul de Manhattan, e complicou o seu desenvolvimento, em lugar de beneficiá-lo –enquanto a área toda ao redor se desenvolvia em forma de um novo bairro que combina moradia e trabalho a despeito do que vem acontecendo no World Trade Center, e não por causa disso.

    Eu disse "à primeira vista". O gênio da Grand Central, que atende a muitas vezes mais passageiros que o complexo, vai além do momento de deslumbramento que você se sente ao ingressar em seu elevado saguão central. Está expresso na engenhosidade de sua disposição, em sua integração com as ruas, no brilhantismo acidental de sua arte, na riqueza e variedade de seus materiais e dos espaços acessórios. Ela continua a ser uma descoberta incessante, mesmo um século mais tarde.

    E funciona.

    Em sua escala, monotonia de materiais e cores, formalismo detalhista e desdém pelo tecido urbano bruto que o cerca, o novo complexo é a espécie de objeto construído que se sentiria em casa no Mall de Washington. Seu mezanino apertado, no qual a vida cotidiana deveria pulsar, impede a criação do tipo de bar e restaurante que fez dos terraços da Grand Central um destino de lazer e o coração do bairro. O Westfield Group, que cuidará do varejo no complexo, não pretende instalar cafés com mesas que se espalhem pelo piso do Oculus. O complexo claramente não será como a Galleria, em Milão, ou a Piazza San Marco, em Veneza. Ou mesmo a Hauptbahnhof, em Berlim.

    Visitei o local recentemente em companhia de um arquiteto que admira Calatrava por se manter firme em seus propósitos de conceber um espaço público ambicioso. O custo é responsabilidade da Port Authority, ele disse, e além disso custo não é valor –e tudo isso é verdade.

    Calatrava deu algo a Nova York, pelos bilhões gastos. Mas se a lição a extrair do projeto é a de que arquitetos precisam de um passa livre, de um cliente vaidoso e submisso e de um grande cheque em branco para criar um espetáculo público, então o complexo é um desastre para a arquitetura e para as cidades.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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