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    Vigia de cemitério esteve ao lado de Fidel na baía dos Porcos

    LUIZ ANTONIO DEL TEDESCO
    EM CUBA

    17/03/2016 02h04

    Seu nome é Toni.

    É esse o único "dado biográfico" que a reportagem da Folha tem dele.

    Toni é guarda noturno no Tomás Acea, um lindo cemitério jardim que ocupa uma área de mais de 17 hectares em Cienfuegos.

    O Tomás Acea foi construído por um rico comerciante da cidade após a morte de seu filho, ainda jovem, por tuberculose, em 1926. O garoto se chamava Tomás.

    A entrada do cemitério é uma imitação da Acrópole de Atenas –imitação muito bem feita, aliás, pelo menos na visão de quem nunca viu a Acrópole. Túmulos talhados em mármore se espalham pelo gramado.

    O encontro com Toni se deu totalmente por acaso.

    Após passar boa parte do dia, escaldante, na praia Rancho Luna, um local muito frequentado pelos moradores de Cienfuegos, a reportagem decidiu fazer uma breve visita ao cemitério ao cair da tarde.

    ONDE FICAM CIENFUEGOS E A BAÍA DOS PORCOS

    Apesar de ser guarda noturno, Toni se ofereceu para ser nosso guia. E logo foi nos indicando que o "caminho correto" da visita começava pela esquerda, e não pela direita.

    O cemitério tem mausoléus lindíssimos. E o primeiro que Toni nos mostrou foi o dos combatentes mortos em 5 de setembro de 1957, quando iniciaram um levante na cidade contra a ditadura de Fulgencio Batista .

    Em seguida, nos mostrou o mausoléu dos que morreram na famosa tentativa de invasão da baía dos Porcos, em 1961, quando cubanos que deixaram a ilha após a revolução tentaram, com apoio dos EUA, entrar na ilha para derrubar o governo castrista.

    Toni apontava para as fotos dos combatentes mortos e, usando de uma mímica vigorosa, temeroso de que não estivéssemos compreendendo o que dizia, ia encenando e narrando a batalha.

    "Este aqui caiu com um tiro no peito. Aquele ali levou dois bem nas costas. Aquele outro caiu mais ou menos a essa distância", disse, apontando para um ponto a dois metros de si.

    Ficamos intrigados. Perguntei: "Peraí, Toni. Como assim? A essa distância de quem?".

    "De mim", respondeu.

    "Você estava lá? Na praia Girón [como os cubanos chamam o episódio da baía dos Porcos]?"

    Percebendo nosso olhar de espanto e incredulidade, levantou a calça e mostrou uma marca profunda na canela. "Eu também fui ferido", disse.

    Tinha 16 anos à época.

    Explicou que Cienfuegos era um lugar de muita mobilização e que, quando aviões dos EUA começaram a atacar bases militares cubanas, Fidel percebeu que haveria um ataque maior e vários combatentes foram chamados à praia Girón.

    "E como Fidel percebeu isso?", perguntamos.

    Batendo com o dedo indicador na própria cabeça, disse: "Aquele homem é um gênio. Não há igual na Terra. E não é porque ele é cubano como eu que digo isso".

    "E você o conheceu?"

    Contou-nos que estava bem perto de um tanque que já havia errado dois tiros contra um barco inimigo que se aproximava da praia quando Fidel assumiu o comando e "bum!!" –novamente a mímica–, destruiu a embarcação.

    Eram 19h, começava a escurecer, e Toni precisava assumir seu posto como guarda do cemitério.

    Mas queríamos saber mais sobre "o amigo de Fidel".

    Marcamos de voltar no dia seguinte de manhã, às 8h, uma hora após terminar o turno de 12 horas de Toni.

    "Vocês são os jornalistas?", perguntou-nos uma colega sua de trabalho quando chegamos ao cemitério pela manhã.

    "O Toni mandou pedir desculpas, mas ele estava muito cansado. Pediu para vocês voltaram à tarde", disse.

    Mas era nosso último dia em Cuba.

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