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    Como se livrar da 'depressão de hotel', que pode atingir quem viaja a trabalho

    STEVEN KURUTZ
    DO "NEW YORK TIMES"

    17/03/2016 02h00

    Nathan Fox/The New York Times
    Nathan Fox/'The New York Times

    As pessoas que viajam a negócios sofrem de um mal. Podemos chamá-lo de depressão de hotel, uma melancolia amorfa que parece florescer em quartos perfeitamente aceitáveis, de diárias de US$ 200 (R$ 740) ou menos. É algo que Al Jackson experimentou muitas vezes.

    Jackson, 38, é humorista e há mais de uma década viaja em turnês, se hospedando em hotéis das redes Red Roof Inn e Wyndham espalhados pelos Estados Unidos. Para ele, colocar o cartão na porta pode ser o portão de entrada para o pavor existencial. "Quando você abre a porta, há aquela lufada de ar que escapa, um cheiro de guardado", ele diz.

    O setor hoteleiro tenta ao máximo combater essa versão adulta da saudade de casa. A experiência que os hotéis tentam propiciar aos hóspedes, do jazz suave que toca no saguão à decoração em tons pastel, é projetada para criar um lustro de contentamento e inclusão.

    Mas, mesmo assim, a depressão de hotel se tornou tema de discussão cultural.

    Primeiro veio "Hotels of North America" (hotéis da América do Norte), romance publicado no final do ano passado por Rick Moody, na forma de um conjunto de resenhas on-line sobre hospedagem. Depois, "Anomalisa", animação dirigida por Charlie Kaufman e Duke Johnson e indicada ao Oscar deste ano, que gira em torno de um homem de negócios hospedado em um hotel caro de Cincinnati –que Tad Friend, em crítica para a revista "New Yorker", descreveu como "opressivamente funcional".

    Curiosamente, o romance e o filme têm por tema a figura itinerante de um palestrante motivacional de meia-idade. Os dois usam a estadia em hotel como metáfora para distanciamento emocional e desconexão social. É uma noite escura para a alma retratada em forma de bufês de café da manhã incluídos na diária e quartos arrumados diariamente pelos camareiros.

    Moody, 54, fala sobre "o pavor de o cartão-chave se desmagnetizar" e a "crescente ansiedade" de que "qualquer coisinha que sirva como lembrança de casa ou da ideia de casa e que você tenha no quarto" possa se perder.

    'O MOVIMENTO PARA'

    Carol Margolis, 56, enfrenta a depressão de hotel há 30 anos. Consultora de grandes empresas, ela viajava com frequência e chegou a reservar um quarto permanente no Marriott Residence Inn de Cleveland.

    Para ela, a regra número um é jamais permitir que o sentimento se instale. "É como uma pessoa que tem problemas com álcool e sabe que basta um drinque para voltar a beber", conta ela.

    O problema não está nas viagens em si. Ela gosta de passar pelo corredor de embarque e se acomodar no avião, e da sensação de aterrissar em um aeroporto a milhares de quilômetros de casa. O desafio surge depois.

    "Quando você chega ao hotel, o movimento para", ela conta. "Fico me retratando em pé no meio do quarto, caminhando em círculos e me perguntando o que fazer."

    Nos últimos anos, as melhores cadeias de hotéis incrementaram seu design, acrescentaram comodidades como spas e academias e têm se esforçado para oferecer o mesmo tipo de experiência em todas as suas unidades. Paradoxalmente, porém, o luxo pode reforçar a sensação de vazio.

    "Você viaja de primeira classe, tem atendimento preferencial no balcão da locadora de automóveis, usa a fila do cartão 'platinum' para o check-in no hotel, mas termina no mesmo quarto solitário", diz Jackson. "Não importa o quanto você tente impor ordem, terá de encarar o fato de que escolheu uma vida seminômade."

    Como os viajantes de negócios experientes enfrentam o problema? Bill McGowan, 55, fundador do Clarity Media Group, diz que minimiza o tempo que passa dentro do quarto (apenas desfaz as malas, toma banho e dorme).

    Ele não usa o serviço de quarto. Em vez disso, recorre a aplicativos para localizar restaurantes com um bar animado, nos quais possa se acomodar para um jantar –e onde volta a comer em viagens posteriores à mesma cidade.

    Criar uma rotina pode trazer conforto, na visão de McGowan. Ele reserva sempre os mesmos hotéis nas mesmas cidades. "É tão familiar que é quase como uma segunda casa", diz. "Nunca tenho aquela sensação horrível ao abrir a porta."

    Sarah Cloninger, 35, que trabalha com treinamento empresarial, diz que o combate à depressão de hotel começa já no planejamento da viagem. Ela se organiza para passar o mínimo possível de tempo longe do marido e dos três filhos. E tenta reservar hotéis no centro das cidades que visita, perto de restaurantes e lojas.

    "É mais fácil se chatear se você estiver em um Hampton Inn no meio do nada", diz.

    Tradução PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa

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