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    Falta de conservação deixa museu a céu aberto no Piauí sob ameaça

    YALA SENA
    ENVIADA ESPECIAL A SÃO RAIMUNDO NONATO (PI)

    17/03/2016 02h00

    Bastam poucos minutos de caminhada para ver um enorme paredão com pinturas que datam de 100 mil anos atrás e que retratam dança, caça, sexo, rituais e lutas. Uma das mais comoventes é a de duas pessoas sem braços simulando um beijo.

    Mas os registros ancestrais estão em risco. A falta de funcionários e de limpeza ameaça o parque nacional da serra da Capivara, a 530 quilômetros de Teresina (PI), patrimônio da humanidade e um dos principais centros científicos de arte rupestre do mundo.

    Sem equipes suficientes para a conservação, sítios arqueológicos no parque estão com passarelas quebradas, placas de sinalização caídas e trilhas precisando urgentemente de limpeza. Há pinturas danificadas pela presença de cupins, ninhos de vespas e paredões manchados com urinas e fezes de mocós (roedor característico da região).

    Nos últimos dois anos, a Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), parceira do governo federal na manutenção da unidade, vem enfrentando grave crise financeira. Dos 270 funcionários necessários para a manutenção, só 31 trabalhavam no dia da visita da Folha, há duas semanas. Das 28 guaritas, só cinco estavam abertas.

    A Justiça determinou no mês passado que o Ibama e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) garantam o montante para manutenção do local.

    VALE A VISITA

    Os problemas, entretanto, não significam que o local não valha a visita. Um dos maiores museus a céu aberto da América ainda impressiona pela imensidão e permite uma viagem à pré-história.

    Para entrar, é obrigatório contratar um guia, que cobra R$ 150. A primeira parada é no sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada. É um dos circuitos preferidos do visitante. Ao entrar, a recepção é um centro com exposição da megafauna com animais desaparecidos há 10 mil anos. Entre os vestígios estão um crânio de bicho-preguiça, mastodontes (que pareciam elefantes de cinco toneladas) e tigre-dentes-de-sabre (felino extinto que pesava até 300 quilos).

    A poucos minutos dali, está o sítio Pedra Furada, outro símbolo do parque. Uma rocha imensa com fissura provocada por ventos e chuvas, virou espetáculo para admiração e selfies. Lá foi construído um anfiteatro para mil pessoas –porém, o mato está tomando conta do local, que abrigou a primeira solenidade para as comemorações dos 500 anos do Brasil.

    Os circuitos mais interessantes e com trilhas limpas e pouco desgastadas são os da toca do Pajaú, do Barro, Inferno, Veadinhos Azuis e do Paraguai. Este último foi o primeiro sítio mostrado pela arqueóloga Niède Guidon, a principal responsável pela existência do complexo, ao mundo. Na época, em 1973, foram descobertos dois esqueletos humanos, um com datação de 8.670 anos e outro de 7.000 anos.

    É possível percorrer desfiladeiros, avistar uma infinidade de paredões e, do alto, admirar a grandeza da região.

    O parque está aberto durante todo o ano, mas o melhor período vai de dezembro a julho, devido à vegetação verde e o clima ameno.

    O museu do Homem Americano, com acervo permanente das descobertas feitas no parque, completa a visita. Na exposição são mostradas inscrições, além de esqueletos humanos, cerâmicas, vestígios, adornos, fragmentos e objetos como chaves e balas de fuzil.

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    Estudos mudaram história do homem nas Américas

    Quando chegou à serra da Capivara, em 1973, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon se embrenhava de 15 a 20 dias na mata, montada em jegues, escavando paredões e dormindo ao relento.

    As pesquisas conduzidas por ela levantaram debates mundiais sobre o povoamento do homem nas Américas. A teoria que confrontou foi a do estreito de Bering, de que o homem chegou ao continente há 11 mil anos, indo da Ásia em direção ao Alasca, pela região marítima.

    Os resultados das datações no parque da serra da Capivara indicavam que os dados da teoria não teriam mais validade. As escavações revelaram vestígios de mais de 50 mil anos.

    "Nós temos registros de até 100 mil anos da presença humana aqui", diz a arqueóloga, que hoje prefere não ir ao lugar, dado o abandono. O parque tem mais de 900 sítios arqueológicos catalogados –180 podem ser visitados.

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    O QUE SABER PARA IR AO PARQUE

    ONDE FICA
    O parque abrange quatro municípios piauienses: São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias. O museu do Homem Americano e a sede da administração ficam em São Raimundo Nonato

    COMO CHEGAR
    Só é possível entrar no local de carro e acompanhado de guia (R$ 150). Saindo de Teresina pela rodovia BR-316 são cerca de nove horas de viagem em estradas bem conservadas até São Raimundo Nonato. O acesso por Petrolina (PE), que fica a 300 km e tem aeroporto, leva cinco horas, com trechos em péssimas condições

    HORÁRIOS
    O parque está aberto a visitas diariamente, das 6h às 18h; os ingressos (R$ 15) são adquiridos nas guaritas

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