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    Recém-alçada a patrimônio, região de Champanhe vai além da bebida

    GUSTAVO SIMON
    ENVIADO ESPECIAL A CHAMPANHE

    19/05/2016 02h00

    Hautvillers é uma cidade de menos de 800 habitantes, onde há um bar (o Au 36), um restaurante e uma via principal com não mais que cinco quilômetros de extensão.

    Ainda assim, 200 mil turistas aparecem por ali todos os anos. Por quê? Bem, a resposta se vê do alto da cidadela, nas frestas abertas pelas vielas que cortam a rua central, e em mirantes estratégicos para o vale do rio Marne.

    Para qualquer lado que se olhe há vinhedos. Hautvillers, pequena que só, sedia 30 produtores de champanhe, entre marcas próprias e cooperativas. E seus maiores símbolos estão hoje ligados às vinícolas: basta dizer que talvez o maior deles, a abadia de Saint-Pierre, é parte da estrutura da Moët & Chandon.

    No lugar está enterrado o monge Dom Pérignon, "pai" da bebida –ele chegou à cidade nos anos 1660 e morreu ali. A história de que foi ele a desenvolver o método de fermentação que dá bolhas à bebida é mais uma lenda do que verdade comprovada, mas é certo que Dom Pérignon ajudou a aperfeiçoar as técnicas de vinificação dos beneditinos.

    Na prefeitura se contratam tours a pé para conhecer, em duas horas, essas histórias e o lugar, por € 7 (ou R$ 28, incluindo uma flûte). Caminhando pela cidade, de ares romanos e um ou outro toque gótico, fica-se sabendo, por exemplo, o significado das figuras nas lâminas de ferro expostas em muitas das portas.

    As imagens (de mensageiros, escritores, funcionários colhendo uvas) serviam, séculos atrás, para indicar a um povo de maioria analfabeta o que se fazia em cada imóvel.

    O champanhe, riqueza maior de Hautvillers, ganhou reconhecimento ainda mais notório em julho do ano passado, quando a Unesco indicou, entre os patrimônios mundiais, a bebida e a cultura de sua fabricação.

    ALÉM DA FLÛTE

    Mesmo a província de Champanhe-Ardennes sendo o coração da produção da bebida nacional francesa, é possível passear por ela sem nem ouvir falar em taças, uvas, bolhas e fermentação.

    Nas sub-regiões de Marne e Haute-Marne, castelos, igrejas, museus e cidades medievais rivalizam com uma produção relativamente pequena de espumante, que dá lugar à de outras iguarias.

    São famosas, por exemplo, as trufas de Haute-Marne –que chegam a custar € 300 (R$ 1.191) o quilo e podem ser "caçadas" até por visitantes, em tours (tourisme-hautemarne.com ), a partir de setembro.

    Uma das atrações mais visitadas é Langres, cidade cujo centro histórico é cercado por um muro de 3,5 quilômetros de extensão (na verdade, 7, mas parte dele está danificada, então a conta considera só o centro "de facto").

    O circuito intramuros pode incluir paradas no museu dedicado ao enciclopedista Denis Diderot, nascido aqui, e na catedral de Saint-Mammès, erguida em 1150 (a fachada, reconstruída em estilo neoclássico, data de 1768).

    Também é praxe provar, nas "brasseries" e restaurantes, o queijo típico da cidade –há, nos campos, 25 fazendeiros e três grandes produtores. De sabor forte e consistência cremosa, quase pastosa, ele tem cor alaranjada (usa-se óleo de urucum na produção).

    *

    Lembranças bélicas

    Apesar de bucólicas, as cidades da província de Champanhe-Ardennes guardam lembranças de tempos bélicos. Dois dos principais museus locais têm como temática a Segunda Guerra.

    Em Reims, um dos centros mais populosos da região, entre dezenas de lojas e a imensa catedral de Notre-Dame, fica o pequenino museu da Rendição –está lá, preservada, a sala onde foi assinado o acordo com os alemães que pôs fim aos combates.

    A duas horas dali, em Colombey-les-Deux-Églises, um memorial lembra um dos principais personagens do período, o general Charles de Gaulle (que adotou a cidadezinha até morrer, em 1970).

    O acervo, amplo, rememora a vida e as batalhas do antigo primeiro-ministro. Vizinha ao prédio, uma gigantesca (44 metros) e de coloração rosada cruz de Lorena, com duas barras horizontais, um dos símbolos de De Gaulle, marca a paisagem.

    Na vila de 600 habitantes –fica o registro, é raro topar com um deles quando a noite cai–, de atração mesmo quase só há o restaurante do hotel La Montagne, com uma estrela "Michelin" (menu-degustação a partir de € 56, R$ 222), e a vista para a "Boisserrie" (corruptela de "bois" e "brasserie", bosque e cervejaria, já que as duas coisas existiram ali), onde De Gaulle viveu.

    Turistas também podem visitar, na região, a cidade de Cirey-sur-Blaise, onde fica o castelo da marquesa de Châtelet. Ali ela abrigou por 15 anos o amigo –e, provavelmente, amante– Voltaire, quando ele quase foi preso após publicar "Cartas Filosóficas" (o lugar chegou a estampar notas de franco ao lado da efígie do intelectual).

    Na visita, pontos altos são os jardins, a ampla cozinha no subsolo e um miniteatro particular bem preservado, comum à época, raridade hoje.

    O jornalista viajou a convite da Agência de Desenvolvimento Turístico da França

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