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    No fim do Caminho de Compostela, missa é atração turística e prêmio

    JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
    ENVIADO ESPECIAL À ESPANHA

    16/06/2016 03h00

    Boa, você chegou a Santiago de Compostela. O prêmio não é descanso –é ir a missa. Não é católico? A sublimação, revelação, aparição, exaustão, o que for, já aconteceu no caminho? Não importa, "porque os que não creem também são considerados amigos", diz o sacerdote.

    Há uns oito ou dez deles no altar da catedral da cidade. Difícil ser preciso, pois a quantidade de padres e coroinhas por lá também é grande. Assim como é enorme o número de gente espalhada –crentes, descrentes, peregrinos, turistas.

    Tanta gente que os bancos não dão conta. Muitos sentam no chão, se apoiam nas bases das colunas, nas próprias mochilas. TVs transmitem a missa aos muitos que não conseguem enxergar o que acontece lá na frente.

    "A palavra de Deus é luz para a vida, força para o caminho." E "o caminho continua", a voz do alto-falante explica. Equipamentos esportivos se espalham pelo chão, junto a impermeáveis, chinelos, chapéus, todos de aparência exagerada para quem apenas chegou ali, não encarou centenas de quilômetros a pé, de bicicleta ou a cavalo por aquele momento.

    A eucaristia começa em galego e passa para o alemão. Os idiomas variam como as pessoas. Uma loira, roupa de ginástica, alonga discretamente as panturrilhas. Um turista, câmera na mão, boceja. Uma senhora, véu na cabeça, reza. O alto-falante agora fala francês, inglês, italiano. "Não há língua ou dialeto que não se posso ouvir na casa de Santiago."

    MATA MOUROS

    Santiago também é são Tiago Matamouros, o santo católico que ajudou o reino de Espanha a se livrar da ocupação muçulmana (711 a 1492). Ou pelo menos é o que Igreja fez crer, levando milhares, todos os anos, a mostrar sua devoção na catedral de Compostela, erguida sobre seu túmulo.

    São Tiago, apesar de santo, desceu à Terra, subiu no cavalo e saiu matando mouros a golpes de espada na batalha de Clavijo, em 844, fundamental para a Reconquista. Assim reza a lenda e assim ele aparece em estátua na catedral. Por força dos tempos atuais, flores escondem os mouros dizimados no chão.

    Compostela, para os católicos, é a terceira cidade mais sagrada, atrás apenas de Jerusalém e Roma. Era também o último ponto civilizado antes de o mundo acabar, o "Finisterra", pelo menos até navegantes espanhóis e portugueses perceberem, no século 15, que a coisa continuava para além do Atlântico.

    Essa sensação de ter chegado ao fim transparece nos rostos de alguns peregrinos. A maioria visivelmente cansada. A informalidade cresce quando um incensário imenso é aceso ao lado do altar. Uma corda presa à cúpula da catedral, puxada por oito homens, coloca o "botafumeiro" em balanço.

    A peça, de mais de 60 quilos e 1,60 metro de altura, inicia então uma trajetória impressionante pelo corpo transversal da nave. Não há quem não tente tirar uma foto, apesar de ser esse o momento da elevação, em que a fumaça sobe aos céus para levar a Deus as preces de quem cumpriu a missão.

    A história também conta que a origem do ritual é um tanto mundana. O incenso começou a ser usado no século 13 para minimizar o ar pestilento provocado por milhares de peregrinos que se abrigavam por dias na catedral após suas jornadas. Claro, não acontece mais.

    O jornalista viajou a convite do Escritório de Turismo da Espanha

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