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    Rio de Janeiro

    Às vésperas da Olimpíada, bares em favelas atraem com vista para o Rio

    ROBERTO DE OLIVEIRA
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    30/06/2016 02h00

    No alto de Santa Teresa, em meio ao emaranhado de caminhos, uma trilha sombreada de 200 metros conduz a uma laje no topo do morro dos Prazeres, ponto privilegiado de contemplação de uma das mais belas e completas vistas do Rio de Janeiro.

    Chegando à comunidade, a reportagem é recebida pelo vozeirão de Alcione. Vem de uma vitrola ligada nas alturas em um dos barracos: "Esse amor me envenena, mas todo amor sempre vale a pena".

    Batendo uma bolinha, a garotada faz um aceno coletivo. A laje em questão ainda não é a do samba, que fica um pouco além. Ela abriga o Bar do Tino, ponto gastronômico que reúne cariocas e turistas.

    Do alto, se vê uma sequência de cartões-postais: o Corcovado, as areias de Copacabana e Leme, as praias de Botafogo e Vermelha, o Pão de Açúcar, a Urca, a baía de Guanabara, a ponte Rio-Niterói, a Central do Brasil. Ufa!

    Chapéu na cabeça, sorrisão rasgado no rosto, Seu Tino, apelido de Severino Alves, 67, conta que, ainda moço veio de Guarabira (PB) para batalhar a vida no Rio.

    Pedreiro aposentado, comanda uma birosca onde se encontra de tudo um pouco: cachaça, bala Jujuba, aparelho de barbear, chupetinha de bebê. Dois pisos acima, fica o bar que leva seu nome.

    Eleni, 65, a mulher, baiana de Jequié, responde pela tarefa de preparar as carnes, mergulhadas por um dia num tempero que ninguém da família diz "qualé". Seus filhos, Leandro, 40, e Bruno, 30, pilotam as churrasqueiras.

    O atendimento fica a cargo dos netos, que se divertem enquanto servem a clientela.

    Cardápio não existe, mas os pratos estão na ponta da língua dos garçons. Tudo muito informal, vale engatar um papo enquanto rolam "selfies" e o vozeirão de Alcione a dominar o morro.

    "A vista ajuda a atrair os clientes, é claro", reconhece Leandro, ajeitando na cabeça um chapéu semelhante ao do pai. Faz questão de ressaltar a importância que dão ao atendimento, à qualidade da comida e ao clima familiar.

    Das churrasqueiras sobe um fumacê de dar água na boca. O chamado mistinho –meio grelhado de frango, costela suína, carne de sol, linguiça e queijo coalho, mais arroz, feijão, baião de dois, feijão tropeiro, batata ou aipim– custa R$ 85. É tanta comida que serve três, na boa.

    Para beber, além de cervejas (R$ 9) e sucos, batidas (R$ 5) de gengibre, coco, tangerina e cajá animam a casa, apinhada de forasteiros.

    "Se morasse no Rio, este lugar seria meu quintal, onde receberia meus amigos para comer, beber e conversar diante dessa paisagem", empolga-se o empresário canadense Steven Padvaiskas, 60.

    ONDE FICA BAR DO TINO: r. Almirante Alexandrino, 3.780, casa 7, morro dos Prazeres, Santa Teresa; tel. (21) 2225-5780

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    Vidigal: trupe eclética

    De cara para o mar, também na zona sul, o cabeleireiro Nobemar de Abreu, 25, levou a mulher, Vanessa, 26, e as filhas, Noelly, 1, e Letícia, 5, para conhecer o Da Laje, bar que se transformou em sensação no Vidigal.

    "O pessoal da comunidade disse que era caro. Não achei tanto", diz Nobemar, que deixou de lado a economia espartana para aproveitar um domingo azulado. "Tá valendo. É a melhor vista do Rio. Fora a experiência de conhecer gente de tudo quanto é parte."

    Comandado pelo paulista Marcos Brandão, empresário de famosos como as atrizes Giovanna Antonelli e Marina Ruy Barbosa, o Da Laje fica no alto do Vidigal, na região conhecida como "Arvrão" (corruptela de árvore, homenagem a um exemplar frondoso da flora local).

    Para chegar, há mototáxis no pé do morro e uma Kombi que sai de pontos estratégicos da zona sul (como os hotéis Sheraton e Fasano), com preços entre R$ 10 e R$ 15.

    A vista do Leblon e de Ipanema deixa qualquer um boquiaberto. O Da Laje costuma reunir moradores e uma trupe eclética que vai do diretor americano Spike Lee a Sabrina Sato, de Marisa Monte a Queen Latifah. Ricos e favelados, famosos e anônimos. Ali, tudo junto e misturado!

    ONDE FICA BAR DA LAJE: r. Armando Almeida Lima, 8, Vidigal; tel. (21) 3323-5807

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    Babilônia: 280 degraus e 'caipichope'

    Apesar do chororô com a crise às vésperas da Rio-2016, Rubens Zerbinato, 34, do Bar do Alto, no morro da Babilônia, acredita que o evento vai, sim, atrair turistas aos morros –em especial os da zona sul.

    Rubens mora no Babilônia, no Leme, desde que nasceu. A vista da casa que ele pilota é seu maior patrimônio: uma perspectiva ampla da praia do Leme e de Copacabana.

    Para chegar ao Bar do Alto é preciso vencer 280 degraus, cruzando com moradores e turistas, passando por cães se aquecendo ao sol.

    Aos sábados, dia de maior movimento, principalmente de estrangeiros, a recompensa vem em forma de um rolinho de feijoada (R$ 25).

    Da cozinha também saem pratos saborosos à base de frutos do mar: a moqueca de peixe (R$ 40), o risoto de bobó de camarão (R$ 50) e o bacalhau (R$ 55), todos individuais, satisfazem quem enfrentou a escalada até lá.

    Criação local, o "caipichope" (R$ 24) é um drinque à base de maçã-verde, cachaça, mel, limão e gengibre.

    O coquetel com jeitão de suco sobe como o capeta e transforma em aventura a descida da escadaria até a rua principal, de onde mototáxis conduzem o visitante por R$ 3 até o asfalto.

    ONDE FICA BAR DO ALTO: lad. Ary Barroso, 66 (subir as escadas a partir deste ponto), Babilônia; tel. (21) 2530-2506

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    Chapéu Mangueira: muita cachaça

    De top branco e short colorido, é pelas Havaianas (com bandeirinhas do Brasil nas tiras), pelos olhos azuis e pela pele alvíssima que a moça deixa adivinhar que é de longe.

    Caminhando com a desenvoltura de uma nativa entre os morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, a holandesa Katinka Versendaal, 26, desenhista em Eindhoven, é puro deslumbramento: "É diferente do que vi na TV. As pessoas são receptivas. Não há clima de tensão no ar", diz, entre doses de cachaça.

    Katinka está no Chapéu Mangueira, na zona sul carioca, onde fica o Bar do David.

    Nascido e criado na favela, David Vieira Bispo, 44, fez carreto em feiras quando criança e praticou pesca submarina na mocidade. Hoje dedica-se à clientela, que, antes formada por motoristas de van, policiais e motoqueiros, ganhou a adesão de turistas e moradores de áreas nobres.

    Um catálogo de 200 rótulos de cachaça (a R$ 10 a dose, em média) é um de seus atrativos. No mês passado, o bar ganhou um salão no segundo andar. O espaço também abriga o projeto Morrinho, trabalho que reproduz o cenário da favela com materiais recicláveis.

    Entre os comes, a feijoada de frutos do mar é clássico dos sábados, domingos e feriados. Custa R$ 39,90 e serve duas pessoas. Outro petisco que começa a despontar é o fruto do mar ao vinagrete com feijão-fradinho (R$ 25,90 a porção).

    Aviso: o acesso à ladeira do bar se dá pela rua General Ribeiro da Costa, no Leme. É possível ir caminhando, mas motoboys oferecem o transporte por R$ 3. (Roberto de Oliveira)

    ONDE FICA BAR DO DAVID: lad. Ary Barroso, 66, lj. 3, Chapéu Mangueira; tel. (21) 96483-1046

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    Santa Marta: franguinho e rei do pop

    Pendurada em um morro de Botafogo, a favela Santa Marta (ou Dona Marta, como preferem os evangélicos que vivem ali) tem uma configuração peculiar: tão íngreme que é difícil imaginar como se chegava lá em cima antes do bondinho, instalado por ocasião da implantação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

    Ao saltar da estação 3 e seguir pelas ruelas, conforme o visitante sobe o morro já sente o cheiro de frango assado. O vaivém da molecada soltando pipa, de funcionários da companhia elétrica e de turistas com câmeras a tiracolo é o prelúdio de que se está chegando ao Bar do Zequinha.

    Quem recebe os forasteiros com um sorriso largo é o próprio José Bonfim Carlos, 44, o popular Zequinha, que mantém o misto de bar e restaurante na primeira comunidade pacificada do Rio (a UPP é de 2008).

    O negócio começou a ganhar forma em 2001, quando Zequinha foi demitido de um hotel no centro do Rio.

    Sete anos antes de a polícia chegar à região, o cearense comprou uma casa de frente para o Cristo. "Era um amontoado de lixo." Com a indenização recebida, montou na parte de baixo da laje um restaurante; na de cima, a casa da família.

    Ao lado da mulher, Conceição, 44, e das filhas, Zequinha prepara sua especialidade: frango à passarinho (a porção custa R$ 25, com direito a fritas).

    Uma estação acima do bar fica a laje do Michael Jackson, onde ele gravou, em 1996, parte do clipe de "They Don't Care About Us".

    ONDE FICA BAR DO ZEQUINHA: r. do Mengão, 14, Santa Marta (subir o plano inclinado até a estação 3); tel. (21) 98229-9968

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    Rocinha: picanha e selfie com o Cristo

    O cearense Gilson Rodrigues transferiu o que aprendeu nos hotéis descolados da orla carioca para a favela. "E o negócio tá maneiro", diz.

    Sócio do Varandas, na Rocinha, acostumado a receber celebridades e turistas, ele se lembra com orgulho da visita de Luciano Huck, que levou o astro americano Ashton Kutcher para jantar lá, em 2011.

    Com bufê (R$ 34,90 o quilo) e pratos à la carte, a casa é conhecida pela picanha na pedra (R$ 110, para quatro), que provoca filas nos fins de semana. Agora também serve chope, a R$ 5.

    "Daqui não saio", afirma Rodrigues, 44, com pose de empresário orgulhoso. "Foi na Rocinha que conquistei tudo."

    Quem visita a favela costuma fazer uma pausa no Carlinhos da Laje, onde o baiano Oscarlino José da Silva, 65, cobra R$ 5 por turista interessado em retratar um dos pontos mais altos da região.

    De lá se vê o Cristo e, dando meia-volta, parte do morro Dois Irmãos. Alongando o olhar alcança-se ainda a praia de São Conrado; à direita, a pedra Bonita e a impressionante pedra da Gávea.

    Depois de viver 30 anos na Rocinha, Carlinhos, como é conhecido, só mantém "business na área", como gosta de dizer. Trocou o barraco por uma casa num condomínio na Pedra de Guaratiba.

    ONDE FICAM CARLINHOS DA LAJE: estr. da Gávea, 341, terraço, Rocinha; tel. (21) 97167-2715; VARANDAS: via Ápia da Rocinha, 10; tel. (21) 3322-1527

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