Durante a abertura da Rio-2016, quando as delegações que participam dos Jogos desfilaram, muitos brasileiros –e espectadores do mundo inteiro– se depararam com países pouco ou nada conhecidos.
Mesmo com a internet e a globalização, muitos países estão distantes do radar das agências turísticas e do foco de interesse dos brasileiros.
Mas um brasileiro, o engenheiro florestal curitibano Guilherme Canever, é uma espécie de especialista em países –e quase-países– pouco conhecidos e diz que existe "uma nova onda de buscar novos lugares, porque o mundo é muito maior do que as agências de viagens apresentam".
Ele percorreu vários deles em três anos de viagens pelo mundo com a mulher, Bianca Soprana, e escreveu três livros: "De Cape Town a Muscat: Uma Aventura pela África", "De Istambul a Nova Déli: Uma Aventura pela Rota da Seda" e "Países que Não Existem", este último, lançado nesta semana, relatando a viagem por 16 territórios que buscam o status de nação mas não são reconhecidos pela ONU, e que têm cultura, bandeira e –em alguns casos– língua e moeda próprias, como Ossétia do Sul, Transnítria e Nagorno-Karabakh.
A pedido da BBC Brasil, ele escolheu cinco países representados na Rio-2016 e que poderiam interessar a "novos" viajantes:
KOSOVO
Pela primeira vez reconhecido como país pelo Comitê Olímpico Internacional, o Kosovo declarou a independência há oito anos, depois de uma guerra civil com a Sérvia. A delegação é formada por oito atletas e já tem até uma medalha de ouro, conquistada pela judoca Majlinda Kelmendi.
Guilherme Canever | ||
O centro de Prizren tem centro antigo e muitos eventos culturais |
"É um novo destino do sul da Europa. Muitos lugares para visitar, e muitos patrimônios da Unesco tanto da origem sérvia como otomana. O lugar que mais vale a pena por questões históricas é uma cidadezinha que chama Prizren, tem um centro antigo bem bonitinho com salão de pedra, fonte de água, é um lugar que está acontecendo, cheio de turistas e respira cultura. Mais ao norte tem Peje, para quem gosta mais de natureza, com cânions e cachoeiras. E na capital, Pristina, eles têm uma paixão pelos americanos, porque eles apoiaram o Kosovo na guerras, então tem lugares como o 'Boulevard Bill Clinton', muito curioso."
"Sobre a população, notei que em lugares em que há muita ajuda externa, eles estão mais acostumados com estrangeiros, porque acham que você é sempre o funcionário de uma ONG, ou em serviço, e não te dão bola, não se abrem tanto. Mas quando sabem que você é turista, são super simpáticos, puxam conversa, falam até demais aí, sentam, oferecem comida, mas tem essa primeira barreira".
BURUNDI
Localizado no leste da África, o Burundi trouxe nove atletas à Rio-2016 –seis do atletismo, dois da natação e um do judô.
Guilherme Canever | ||
O casal é recepcionado com um jantar por moradores locais no Burundi |
"A gente estava saindo de Ruanda e ficamos sabendo que dava para tirar o visto de trânsito na fronteira. É um país muito pobre, que enfrenta muitas dificuldades. Para você ter uma ideia, quando a gente chegou, não tinha papel oficial do visto, e acabaram dando o visto num papel sulfite, com caneta mesmo e nos escrevendo uma autorização de permanência. Foi uma chegada atípica, e a gente se hospedou na casa de uma pessoa de lá através do coach surfing, então foi um lugar mais para viver do que para ver lugares, para ter trocas culturais"
"No Burundi, há praias em lagos que são bem bonitas, mas não é um lugar que você pensa: vou organizar uma viagem para o Burundi, mas conhecer como as pessoas de lá vivem foi bem interessante, a experiência de saber da história das vidas das pessoas".
TURCOMENISTÃO
Ex-república soviética, o Turcomenistão fica na Ásia Central e já foi considerado um dos países mais repressores do mundo. Possui a quarta maior reserva de gás natural do mundo, e, a cada ano, o país realiza uma conferência energética internacional.
Guilherme Canever | ||
Prédios modernos no centro da capital do Turcomenistão |
O país fez sua estreia olímpica nos Jogos de Atlanta, em 1996, e nunca conquistou uma medalha. A delegação conta com nove atletas: dois no atletismo, dois no levantamento de peso, dois na natação, um no boxe e dois no judô.
Guilherme Canever | ||
Há estátuas glorificando o presidente atual e o morto em 2006 em várias partes do país |
"É um país bem atípico, uma ditadura bem fechada. Para viajar para lá você precisa de um guia, e esse não era nosso estilo de viagem, não queríamos um guia que nos mostrasse o país pelo olhar do ditador (Gurbanguly Berdimuhammedow, que governa o país desde a morte do presidente vitalício Saparmurat Nyýazow, em 2006). Nós ficamos só cinco dias, com um visto de trânsito.
É interessante que eles têm muito gás natural, são ricos como país, mas a distribuição de renda é desigual. Faz muito calor, na capital, Asgabate, há grandes arranha-céus de mármore, pontos de ônibus com ar condicionado, é fantástico, parece uma cidade do futuro, só que isso tudo é ligado aos caprichos do ditador.
E a gente usava muito táxi comunitário, os motoristas fumam de janela fechada, é muito curioso, e é meio comum qualquer carro te pegar e cobrar uma tarifa barata, uma espécie de 'Uber' do Turcomenistão. Tem uma paisagem bem desértica e é bem interessante, é como se fosse uma Coreia do Norte. Tem algumas ruínas, paisagens históricas muito interessantes".
DJIBUTI
Pequeno país no nordeste da África é cercado por algumas das nações mais instáveis do continente africano: Somália, Etiópia e Eritreia. Com cerca de 830 mil habitantes, chama atenção pelos esforços de modernização, e já divulgou a ambiciosa intenção de se tornar uma espécie de "Dubai africana", transformando o local em polo turístico e econômico.
O Djibuti tem sete atletas na Rio-2016, cinco deles no atletismo, um na natação e um no judô. Estreou numa Olimpíada em Los Angeles, em 1984, e conquistou até hoje apenas uma medalha olímpica: a prata na maratona de Seul em 1988, com Ahmed Salah.
Guilherme Canever | ||
Centro da capital do Djibuti |
"Foi o final da minha viagem pela África, depois de seis meses no continente africano. E eu passei muito calor lá, atravessei o deserto de Somalilândia para chegar ao país e já cheguei com visto. Ali tem o Golfo do Áden e é uma região politicamente muito disputada, e tem muitas bases militares, com soldados franceses, americanos.
Uma coisa que me chamou muito a atenção na capital, de mesmo nome, uma cidade bem bonita, é que tem muitas mesquitas, muita cultura muçulmana e local, e à noite muitos soldados bêbados, fazendo bagunça, o que é um contraste. Você tem essa paisagem de lugares tradicionais, 'paz' e cultura local, e à noite estrangeiros, gente bebendo demais. E é um lugar excelente para fazer mergulhos, com muitos navios naufragados, o mar é lindo, transparente. Vale a pena".
MALAUÍ
O Malauí fica no leste da África e tem cinco atletas disputando a Rio-2016 em três categorias: tiro com arco, natação e atletismo.
Guilherme Canever | ||
Guilherme atravessou parte do país de barco |
"É um país de difícil acesso, mas todos os viajantes que eu conheço que acabam passando por lá gostam muito. O dia a dia do país é muito tranquilo, o povo é muito acolhedor e o destaque é o lago Niassa, que vai de norte ao sul do país, com muitos pescadores e algumas prainhas. É uma região muito pobre, mas eles são muito receptivos.
Nós estávamos acampando em comunidades locais, em pequenos vilarejos, e era muito legal participar do cotidiano das pessoas, comprar peixe cozinhar com eles. Uma vez por semana alguns vilarejos têm uma espécie de 'cinema comunitário', eles escolhem filmes antigos e passam em pequenas casinhas de pau a pique e é a grande diversão da comunidade, eles sempre nos convidavam e era bem interessante. Peguei um barco que vai parando em vários pontos do país ao longo do lago, demora dias para atravessar, e foi uma superexperiência".