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    O que é pior: passar o Réveillon no sofá ou isolada na praia?

    NINA HORTA
    COLUNISTA DA FOLHA

    20/10/2016 02h00

    Eram assim os Réveillons. Um em casa, outro não. Quando íamos ao clube, tinha contagem regressiva, "Feliz Ano-Novo", abraços, vergonha alheia e a promessa de que, no ano que vem, passaríamos em casa, vendo a virada da Austrália pela TV.

    No ano que ficávamos em casa, saíam todos, menos nós, e nos sentíamos rejeitados, apesar dos telefonemas na hora H. Convenhamos, o sofá não é o melhor lugar para o raiar de uma vida nova.

    Então veio a ideia: vamos para algum lugar lindo, solitário, com mar azul batendo na areia. Pesquisei, e fomos parar na praia da Enseada, no Guarujá.

    Os chalés eram espalhados, um bem distante do outro. Até os empregados que nos mostraram o lugar demonstraram um certo receio. Sempre fui distraída diante do perigo iminente, ao contrário dele, que mal entrou na cabaninha rústica e já fechou a porta, empurrando uma cômoda por cima.

    –????????

    – Você não vê que estamos no meio do nada e qualquer um pode vir aqui nos esgoelar?

    – Esgoelar? Quem?

    Ele se deitou, meio emburrado, com os braços cruzados atrás da cabeça. Do lado de fora ficaram o mar maravilhoso, a Lua, os cheiros da noite, os meus sonhos. Do lado de dentro, um esquadrão de pernilongos esfomeados prontos para festejar o Réveillon.

    Nunca me senti tão renegada, mal amada, burra, presa naquela gaiola, até começarem os telefonemas dos filhos, cada um se divertindo à sua moda.

    Mais alguns festejos no clube, outros em casa com as lentilhas e as romãs manchando para sempre a roupa branca. Num dos anos de sofá, o grupo de amigos do clube veio tomar o café da manhã conosco. Malvados, cruéis, cheios de serpentina e matracas.

    Como nunca desistir é meu mote, em outro ano fui para Paraty. Lá, fizemos, os caseiros e eu, uma bela ceia, com vela e tudo, e cobrimos com uma toalha indiana finíssima. Na hora da virada, nos lançamos ao mar em um barco para ver os fogos.

    Chegamos e havia muitas embarcações por perto. Foi ficando um breu e nada acontecia. O perigo de um barco bater no outro era a única coisa provável. Até hoje não sei o porquê, mas não teve fogos. Não deu nem para brindar, e saímos daquele rolo suspirando de alívio.

    A casa nos esperava, linda, no alto. Alguém de nós acendera umas velas pequenas e se esquecera de apagá-las. Talvez não acreditem em mim (embora nunca tenha mentido para leitor nenhum), mas a toalha indiana, que havia sido colocada sobre as velas –bem mais alta do que elas– agora estava a dois palmos de altura do fogo, inflada, pronta para levantar voo a qualquer instante.

    A casa era inteirinha de madeira, então podem imaginar o fogaréu que começaria em pouco tempo.

    Esse sim foi um Ano-Novo cheio de agradecimentos. Não teve incêndio e não escutamos nenhuma matraca... E se há algo que existe em Paraty são matracas, guardadas nas igrejas para seguir a procissão de Jesus morto.

    *

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