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    Depoimento

    Em Marrakech, ouvi várias vezes a pergunta: 'cadê o namorado?'

    JÚLIA BARBON
    EM MARRAKECH

    10/08/2017 02h00

    Perdi as contas de quantas vezes ouvi: "Você vai sozinha para o Marrocos?", ao que me limitava a responder que sim.

    Cobrir ombros e pernas, não olhar diretamente para os homens, não ir a bares ou cafés tradicionais (afinal só eles frequentam esses lugares) e pedir informações apenas a mulheres e comerciantes foram algumas das dicas que li e ouvi.

    "Nunca faça perguntas para os homens", repetia Myriam, a gerente da "riad" (antigas mansões transformadas em pousadas) onde me hospedei em Marrakech.

    Apesar de ser um dos países mais liberais do mundo islâmico, o Marrocos ainda tem um cenário em que se vê muito mais homens do que mulheres. Normalmente elas vão às ruas apenas para fazer compras, buscar os filhos, acompanhar uma amiga ou ir ao trabalho –mas não ficam de bobeira por aí sozinhas.

    Sabendo disso, cheguei à cidade de cerca de 1 milhão de habitantes vestindo calça comprida e lenço no pescoço. Fazia um calor de 30°C, mas eu sentia um frio na barriga.

    Na primeira saída à rua, quase todos os homens pelos quais passei mexeram comigo, dizendo "bonjour", "hello", coisas em árabe ou me fuzilando com aquele olhar que toda mulher conhece.

    A "riad" ficava numa das centenas de ruelas estreitas, irregulares e confusas da medina, que é a parte murada, turística e mais antiga da cidade. Me perdi completamente na primeira esquina –e, quanto mais desorientada você parece, mais marroquinos aparecem. Além disso, sou loira e bastante branca, o que não ajuda muito no disfarce.

    Um jovem passou de bicicleta e perguntou se eu queria ajuda. Apavorada, falei que não, obrigada. Ainda perdida, voltei a encontrá-lo ao acaso. "Você não confiou no que eu falei, né?", me disse.

    Tremendo, resolvi dar uma chance. Nos dez minutos seguintes, ele caminhou comigo e fomos conversando até que eu me achasse. O mesmo voltou a acontecer algumas vezes durante os quatro dias que passei na cidade.

    Percebi então que o desespero era fruto daquelas perguntas que me fizeram várias vezes: o que estou fazendo sozinha no Marrocos? Por que não trouxe meu namorado?

    Nós somos acostumadas com a ideia de que é melhor não se arriscar, de que há lugares que não são para mulheres e pronto. Mas será que não devemos ocupar os espaços públicos até que os homens se acostumem com a nossa presença?

    Parece que Marrakech está nesse caminho. A cidade recebe 1,5 milhão de turistas estrangeiros por ano (30% do total do país), e os moradores já estão bastante habituados com a diversidade ocidental.

    Uma mulher viajando sozinha, porém, ainda causa estranhamento. Ouvi a pergunta sobre estar desacompanhada de garçons, guias e vendedores, às vezes seguida de uma cantada ou de um convite. Como sempre, o segredo é dizer não e sorrir.

    Andei livremente de dia e à noite, fui ao cinema, conversei com homens e com mulheres. Claro que a experiência é mais tranquila quando se está com um grupo ou em casal, mas não há problema em se jogar sem companhia.

    Algumas táticas ajudam. Cobrir os braços, prender os cabelos, não parecer perdida (mesmo quando está), usar discretamente o GPS (internet é fácil de conseguir) e andar de maneira firme contribuem para evitar o assédio. Cobrir a cabeça ou vestir roupas locais não é necessário.

    Com trajes minimamente adequados, andar por Marrakech torna-se fichinha para brasileiras. Afinal recebemos treinamento intensivo no nosso país todos os dias.

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