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    Expedições pelo país atestam declínio de rio das Velhas e Velho Chico

    TÚLIO SANTOS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MINAS GERAIS

    02/11/2017 02h00

    No final de 1969, os amigos Fábio Marton, na época estudante de história natural da UFMG, e Derek Walter, já morto, seguiram os passos do explorador britânico Richard Burton pela região do rio São Francisco em Minas.

    Em 1867, Burton, desceu o rio das Velhas, em Minas Gerais, e seguiu pelo rio São Francisco até o mar, entre junho e novembro, cruzando o interior de um Brasil que profetizava como país do futuro.

    "A gente resolveu planejar essa viagem, para ver como estava o rio e comparar com a situação retratada pelos antigos viajantes", explica Marton, 76, hoje consultor ambiental aposentado.

    "Um rio que foi decantado no livro do Burton como espetáculo de vida selvagem era então um rio morto", diz.

    A dupla encontrou à venda numa loja "uma coisa parecida com um caiaque", feita de compensado e de aparência frágil. Como nadavam "muito mal", garantiram também coletes salva-vidas.

    Entraram no rio das Velhas em 5 de janeiro de 1970, na altura da barra do ribeirão Arrudas, na Grande Belo Horizonte. Os primeiros dias foram tranquilos, acampando nas margens e tentando pescar. No quinto dia, de um total de 15, foram parados pela polícia, que buscava um prisioneiro foragido.

    Estranhando a situação -estudantes da capital descendo o rio em plena ditadura- a polícia os convenceu a pernoitar numa pensão, enquanto seus nomes eram checados no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) em Belo Horizonte.

    No dia seguinte, seguiram viagem. O restante do percurso foi calmo, "até assim uma coisa meio monótona", diz Marton. Acordaram cedo e comeram goiabas pelos barrancos até as ruínas da igreja Bom Jesus de Matozinhos, em Barra do Guaicuí.

    Nas previsões burtonianas, o local seria a esquina da "grande artéria", ligando o coração do Brasil ao mundo exterior. No entanto, na vila, distrito de Várzea da Palma, além das ruínas e de sua gameleira, a única atividade visível é a retirada de areia do trecho final do curso d'água.

    Os dois ficaram decepcionados pela falta de vida selvagem. "No final, a gente queria que acabasse, era uma tristeza porque era um rio muito morto", diz Marton.

    OUTRAS EXPEDIÇÕES

    Morador de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, o ambientalista e produtor rural Ronald Guerra é o canoeiro mais frequente a seguir nas remadas de Burton.

    Coordenador-geral do Subcomitê Nascentes, que integra o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas), ele é o único caiaqueiro que participou das três expedições do Projeto Manuelzão, iniciativa que luta pela revitalização da bacia do rio, maior afluente do Velho Chico.

    Segundo ele, de 2003 para 2009 e depois, 2017, a quantidade de água diminuiu. Os ganhos observados na redução da poluição foram anulados pelo aumento do consumo. A navegação acabou no rio das Velhas e, no São Francisco, quase se extinguiu.

    O vapor Benjamin Guimarães, que "estava em reforma em 2003 e acompanhou a gente num trecho em 2009, agora está encalhado em Pirapora", afirma Guerra.

    Passageiro do extinto vapor Venceslau Brás, que conheceu numa viagem de férias em 1976, Inácio Neves percorreu nos últimos 13 anos todos os trechos do Velho Chico no comando do projeto Cinema no Rio São Francisco, que concluiu em agosto sua 12ª edição, projetando e produzindo filmes para populações ribeirinhas. "Por nove anos, realizei o projeto com uma equipe dentro de um barco. Esta é a terceira edição feita por terra. O rio não é navegável, não tem jeito", diz.

    Testemunha, ano após ano, do declínio do rio e pessimista sobre a possibilidade da volta da navegação, Neves compara a situação do São Francisco à da tragédia no rio Doce em 2015. "Aqui o desastre é camuflado e silencioso."

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