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    Thursday, 18-Apr-2024 23:07:53 -03

    Historiadora da ciência rebate céticos da mudança climática

    Naomi Oreskes, professora da Universidade Harvard, é um dos maiores nomes da ciência climática. Porém, seu reconhecimento não foi conquistado nesse campo: ela ficou conhecida por aplicar as ferramentas da erudição histórica para defender a climatologia contra ataques ideologicamente motivados.

    Formalmente falando, Oreskes é historiadora da ciência. Informalmente, ela se converteu em pugilista, alguém que se atira em um ringue público agressivo que muitos climatologistas ciosos de suas carreiras procuram evitar.

    Kayana Szymczak/The New York Times
    A cientista e historiadora Naomi Oreskes, em seu escritório na Universidade Harvard
    A cientista e historiadora Naomi Oreskes, em seu escritório na Universidade Harvard

    Oreskes ajuda a levantar recursos para defender pesquisadores criticados por pessoas que negam as mudanças climáticas. Ela se tornou heroína de universitários ativistas, apoiando suas reivindicações de que universidades e outras instituições deixem de usar combustíveis fósseis. Apesar de muitas vezes relutar em mergulhar em disputas, climatologistas a enchem de elogios por sua disposição a fazê-lo no lugar deles.

    "A coragem e a persistência de Oreskes em conscientizar o público sobre a ciência climática a converteram em lenda viva entre seus colegas", escreveram dois climatologistas, Benjamin D. Santer e John Abraham, em carta de 2011 em que apresentaram a candidatura de Oreskes a um prêmio.

    A descoberta fundamental de Oreskes, feita com um coautor, Erik M. Conway, foi dupla.

    Ela e Conway concluíram que táticas dúbias foram empregadas durante décadas para questionar descobertas científicas ligadas a temas como a chuva ácida, a camada de ozônio, a fumaça de tabaco e as mudanças climáticas.

    Além disso, em cada um desses casos, as táticas foram usadas pelo mesmo grupo de pessoas. Em um livro de 2010, "Merchants of Doubt", Oreskes e Conway descreveram esse grupo como os "mercadores da dúvida". O livro foi transposto ao cinema recentemente em um documentário de Robert Kenner.

    Oreskes é vilipendiada em sites conservadores e recebe mensagens de ódio. Queixas contra sua pesquisa foram registradas contra a Universidade da Califórnia em San Diego, sua empregadora anterior, mas não foram levadas adiante. Um dos homens que Oreskes critica em seus escritos, o físico S. Fred Singer, disse que ela era protegida na instituição por "uma máfia feminista".

    Nascida em 1958, Oreskes cresceu em Manhattan. Ela iniciou seus estudos na Universidade Brown, mas concluiu seu curso de geologia na Royal School of Mines, em Londres. Formando-se com louvor, em 1981 foi trabalhar como geóloga de campo para a firma australiana Western Mining. Depois de três anos, retornou aos Estados Unidos para fazer doutorado na Universidade Stanford.

    No entanto, ela desejava mergulhar em questões mais fundamentais sobre a natureza e a história da ciência. Sua carreira de historiadora decolou com um longo estudo sobre o papel da dissensão no método científico. Como explicou alguns meses atrás a uma plateia na Universidade Indiana, ela queria responder à seguinte pergunta: "Como distinguir um pensador independente de um excêntrico?"

    Seu tema era Alfred Wegener, cientista alemão que em 1912 propôs que os continentes se deslocam pela terra. Inicialmente rejeitada, sua ideia foi retomada décadas após sua morte, convertendo-se na teoria da tectônica de placas.

    Oreskes começou a refletir sobre a ciência climática. Na época, a impressão pública generalizada era que os cientistas ainda estavam divididos quanto à responsabilidade primária do homem pelo aquecimento do planeta. Oreskes decidiu contar os artigos científicos publicados. Estudando 928 deles, surpreendeu-se ao constatar que nenhum discordava das conclusões básicas de que o aquecimento está ocorrendo e que sua principal razão é a atividade humana.

    Ela publicou sua conclusão em 2004 na revista "Science". No entanto, ao provar um consenso científico do qual a maioria não tinha consciência, Oreskes virou alvo de ataques políticos.

    Já nessa época, ela formou uma parceria de trabalho com Conway. Em pouco tempo, os dois documentaram quem era o grupo –que incluía cientistas renomados da Guerra Fria– que vinha atacando pesquisas ambientais há décadas, contestando as descobertas científicas sobre a camada de ozônio e até a descoberta do efeito nocivo do tabagismo passivo. A tentativa de solapar a ciência climática era apenas o projeto mais recente dessas pessoas.

    Oreskes e Conway concluíram que os ataques seguiam a estratégia usada pela indústria do tabaco quando começaram a vir à tona as evidências dos riscos de fumar.

    Documentos mostraram que a indústria do tabaco pagou cientistas para arquitetarem pesquisas dúbias, apresentando um quadro enganoso da realidade. O objetivo era a defesa dos seus lucros.

    Já os mercadores da dúvida, argumentam Oreskes e Conway, agem por uma razão ideológica profunda: a rejeição da regulamentação governamental.

    "Uma das coisas que sempre devemos perguntar em relação a provas científicas é: 'Qual é sua idade?'", Oreskes explicou. "As evidências científicas são como vinho. Se os argumentos científicos sobre as mudanças climáticas tivessem poucos anos de idade, eu também seria cética."

    As pessoas que negam as mudanças climáticas continuam sem se convencer, regularmente lançando ataques contra Oreskes. "A maioria diria que funcionar como 'para-raios' não é bom, e não posso dizer que isso me dê prazer", disse. "Mas é bom lembrar que a finalidade do para-raios é manter as pessoas em segurança."

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