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    SAIU NO NP

    'Bando do Palhaço' levou caos a PM e aterrorizou SP nos anos 1990

    EDMIR LIMA
    DO BANCO DE DADOS FOLHA

    12/12/2017 05h00

    Em 10 de dezembro, comemora-se o Dia do Palhaço.

    A seção "Saiu no NP" relembra neste mês uma história que deixou muito palhaço preocupado.

    Isso porque, em meados dos anos 1990, o jornal "Notícias Populares" acompanhou a investigação sobre um suposto bando que apavorou São Paulo. A ação do grupo consistia em atrair crianças com balas e doces e depois as jogarem numa Kombi branca, sumindo em seguida. Passados alguns dias, a criança raptada era encontrada sem os órgãos.

    As reportagens sobre o caso, que ficou conhecido como o Bando do Palhaço, foram publicadas no "Notícias Populares" entre os dias 20 de maio e 5 de junho de 1995. Ainda que o jornal tenha deixado claro que em suas páginas que o assunto se tratava de boato, o caso teve grande repercussão.

    Tudo começou com Aline, uma menina de 11 anos, da cidade de Carapicuíba (Grande São Paulo), que estava desaparecida desde o dia 31 de março daquele ano. A partir daí o boato de que ela teria sido vítima do Bando do Palhaço se espalhou pelo Estado.

    Moradores de Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, do Capão Redondo, na zona sul, e do município de Osasco, por exemplo, já não deixavam mais seus filhos irem sozinhos à escola.

    20.mai.95/Folhapress
    Bando do Palhaço apavora escolas
    Em maio de 95, 'NP' publicou retrato falado do palhaço

    A polícia, entretanto, sempre afirmou que a gangue nunca havia existido, pois não fora registrado nenhum caso ou queixa comprovada sobre o assunto. O delegado titular de Carapicuíba, onde começou a boataria, afirmava: "A gangue é fruto da imaginação de alguém. Se eu descobrir quem começou com isso, prendo".

    Mesmo diante das negativas da polícia e de o "NP" publicar que tudo não passava de boato, algumas pessoas juravam ter visto os assassinos de crianças. A dona de casa N. E., moradora do Tucuruvi (zona norte), afirmou que o bando havia tentado raptar seus filhos no começo de 1995.

    Em outros bairros da zona norte da capital paulista, a população também ficou amedrontada. Cleide Tavares, 40, afirmou que "eles tentaram atacar uma criança em frente a uma creche". O mecânico Carlos Adônis, de Perus, contou que sua filha não queria mais ir à escola.

    Por causa da boataria, palhaços profissionais começaram a perder seus empregos, como revelou reportagem do "NP" publicada em 23 de maio de 1995. Edmilson José da Silva, que trabalhava em Carapicuíba como o palhaço Vuku-Vuku, estava sem emprego havia um mês. "Só de olhar um pôster com meu retrato na rua, eu já vi criança morrendo de medo", afirmava.

    Vanderlei Costa, o palhaço Mamadeira, que à época era um dos sócios do sindicato dos palhaços, disse que a história iria "afastar as crianças dos palhaços".

    Além do problema de desemprego, uma palhaça chegou a ser ameaçada de morte, conforme noticiou o jornal em 30 de maio.

    Os palhaços Solange e Benedito, que encenavam Maria Pipoca e Tatupim, respectivamente, tiveram a vida em risco em ameaças feitas pela população. O casal era xingado cada vez que saía de casa. Em uma ocasião, os dois foram denunciados à Rota por um taxista e acabaram na delegacia. "Outro dia usei um batom 24 horas e saí na rua. Muita gente me olhou torto, e nunca senti tanto medo na minha vida", contou Solange.

    Robson Martins, da companhia Tulim-pim-pim, voltava com sua Kombi pela rodovia dos Bandeirantes, acompanhado de Ricardo Galdeano, vestido de palhaço, e Sílvia Martins, fantasiada de bailarina, e relatou que foi ameaçado: "Na saída para a marginal Pinheiros, um cara que estava num Corcel branco e se dizia policial nos obrigou a parar e nos ameaçou com uma arma".

    O medo de ataques do Bando do Palhaço fez com que escolas de Carapicuíba contratassem seguranças para proteger as crianças, como informou o "Notícias Populares" em 25 de maio.

    No dia 27, o jornal publicou que o boato da gangue estava apavorando o interior e o litoral do Estado. Moradores de São Roque (SP) sentiam-se amedrontados com o bando que sequestrava crianças para tirar os órgãos.

    O pânico chegou também chegou a Peruíbe (litoral sul de SP). A população das duas cidades dizia que um médico grisalho teria se juntado à gangue. Vera Lúcia Rodrigues, de São Roque (SP), jurou ter visto os três com a perua em frente de uma padaria. "O palhaço tentou atrair minhas filhas, mas eu fugi."

    À medida que os boatos sobre a gangue se multiplicavam, a polícia tinha mais trabalho. A delegacia de Carapicuíba recebia mais de 20 ligações por dia de pessoas apavoradas com o bando. "Ninguém aguenta mais", dizia o delegado da cidade, Brasílio Machado.

    "Bando do palhaço não existe" foi a manchete da última reportagem da série, publicada no dia 5 de junho. O "NP", a polícia e o repórter Gil Gomes investigaram o caso por dois meses e chegaram à mesma conclusão: tudo não passava de boato.

    5.jun.95/Folhapress
    Bando do palhaço não existe
    Bando do palhaço não existe

    Desde que as notícias começaram a ser veiculadas, Gil Gomes começou sua investigação, entrevistando os pais das crianças desaparecidas e a polícia. "Tudo não passa de boato. Até hoje, nenhuma criança foi encontrada morta sem os órgãos", garantia ele.

    O delegado-geral da polícia Antônio Carlos Machado também afirmou que a gangue não existia. "Fizemos uma investigação no Estado todo. Nunca um caso desse tipo foi registrado", afirmou.

    O caso do "Bando do Palhaço", guardadas as devidas proporções, lembrou o episódio em que o então desconhecido Orson Welles (diretor de "Cidadão Kane"), em 1938, entrou no ar da rede de rádio CBS para informar uma suposta invasão de marcianos à cidade de Grover's Mill, no Estado de Nova Jersey (EUA). Welles apenas dramatizou trechos do livro de ficção científica "A Guerra dos Mundos", do escritor inglês Herbert George Wells.

    No dia seguinte o jornal "Daily News" resumiu o episódio com a manchete "Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos". No Brasil, mesmo com os constantes informes do "Notícias Populares" de que tudo não passava de boato, a história mostrou como pode ser perigoso um boato, a ponto de causar desemprego, despertar violência e colocar vidas em risco.

    ANOS 2000

    Enquanto nos anos 90 o boato de que palhaços sequestravam e roubavam órgãos de crianças se espalhou por São Paulo e litoral, apavorando pais e mexendo com a rotina da PM, em 2016 uma pegadinha também fez os palhaços serem hostilizados novamente.

    Uma pegadinha publicada em setembro, via internet, viralizou no mundo todo. Pessoas se vestiam de palhaço assassino e saíam à rua dando sustos.

    O assunto rendeu milhões de menções e dezenas de vídeos on-line. Algumas escolas americanas proibiram a fantasia de palhaço nas festas de Halloween, comemorado em 31 de outubro.

    A consequência disso se deu também no Brasil, e a Folha noticiou as agruras que os palhaços estavam passando. O repórter Chico Felitti contou em Palhaço profissional sofre agressão real em meio a onda de pegadinhas como estava difícil ser palhaço em meio a pegadinhas.

    "Há dez dias, quatro molecões me seguraram, numa rua em Perus, e disseram que, se eu assustasse alguém, ia levar porrada", contou o palhaço Falanginha.

    As represálias aos palhaços não se restringiram ao Brasil. No mundo todo eles foram alvo de perseguição e preconceito. Em convenção anual na Cidade do México, eles protestaram: "Somos palhaços, não assassinos".

    Até o sucesso do filme "It: A Coisa" neste ano mexia com o humor de quem tem a vida de palhaço como profissão.

    As histórias tanto de 1995 quanto de 2016 e 2017 mostram que quem mais se sente prejudicado são os verdadeiros palhaços.

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