Não adianta só matar o câncer: é preciso fazer isso do jeito certo, ou a morte das células tumorais só serve para que a doença continue firme. A mensagem não muito animadora é o principal resultado do trabalho de um pesquisador da USP, que mostra a importância de atacar não apenas o tumor, mas também a área aparentemente saudável que o circunda.
O paradoxo está sendo estudado por Roger Chammas, que detectou o fenômeno em versões experimentais (em roedores) de melanoma, um dos tipos mais estudados --e o mais letal-- de câncer de pele.
"Mas há razões para acreditar que ele aconteça em outros tipos de tumor também, porque os mecanismos básicos são os mesmos", disse Chammas à Folha durante a reunião anual da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental), que terminou no último fim de semana em Águas de Lindoia, no interior paulista.
Faz relativamente pouco tempo que os biólogos e médicos estão levando em conta a importância do entorno do tumor para a permanência da doença. O raciocínio é que, como qualquer parasita (embora tenha sua origem no próprio organismo), o câncer depende dos recursos oriundos de regiões vizinhas do corpo para prosperar. Os tumores "recrutam", por exemplo, vasos sanguíneos para garantir seu suprimento de nutrientes, o que levou à ideia de cortar as fontes de sangue para atacar o câncer.
Pela culatra
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"Parece que o mesmo vale para outras células", explica Chammas. "Elas formam uma espécie de nicho que facilita o crescimento do tumor", afirma. Em experimentos com camundongos, o pesquisador da USP verificou um aspecto inusitado desse "nicho": algumas das células responsáveis por proteger o organismo são justamente aquelas encarregadas de manter o câncer em atividade.
Os dados vieram ao tratar os bichos cancerosos com um quimioterápico bem conhecido, a dacarbazina. "O problema da dacarbazina é que ela consegue levar à morte de muitas células do câncer, mas muitas vezes não é capaz de eliminar o tumor", diz ele. Restava saber o porquê do fenômeno.
O paradoxo parece ter relação estreita com os macrófagos, células que desempenham papel de faxineiras quando ocorre a morte celular, além de participarem de processos inflamatórios. Ao reagir à morte celular em massa causada pela dacarbazina, os macrófagos produzem substâncias imunossupressoras, ou seja, que diminuem a ação do sistema de defesa do organismo.
O resultado é que, de guarda baixa, o corpo não consegue lidar de forma eficiente com o resto do tumor, que volta a crescer mesmo com a quimioterapia.
Uma das maneiras de evitar que o tratamento não dê em nada, sugere o trabalho de Chammas e seus colegas, é usar uma espécie de coquetel, combinando a quimioterapia com o desligamento do BKR1, uma fechadura química (receptor) no entorno do tumor que tem papel importante em processos inflamatórios. Com esse desligamento, o ambiente celular ficaria menos favorável ao tumor.
"Achamos que essa poderia ser uma abordagem complementar à diminuição de vasos sanguíneos que alimentam o tumor", afirma Chammas. O BKR1 seria, portanto, um alvo para novas drogas anticâncer.