Uma das grandes assassinas da história, a varíola é, desde 1980, considerada extinta pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Todas as amostras de seu vírus foram destruídas, exceto em dois laboratórios. Agora, cientistas se dividem sobre o que fazer com elas.
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Após sucessivos adiamentos desde a década de 1990, está previsto que a OMS decida o futuro das amostras do Orthopoxvirus variolae em uma assembleia em maio.
Em 2007, EUA e Rússia, países onde ficam os laboratórios de segurança máxima que abrigam os últimos exemplares do vírus, usaram a ameaça de possíveis ataques de bioterroristas para convencer a organização a postergar a destruição.
Segundo eles, só com amostras do vírus vivo seria possível desenvolver novas vacinas e tratamentos eficazes em caso de uma epidemia provocada por terroristas.
O argumento convenceu os países-membros, mas a pressão para a destruição tem aumentado consideravelmente, com direito a manifestações públicas nesses próprios países.
"Por que correr o risco de os vírus escaparem e a doença ressurgir?" manifestou o pesquisador do "Third World Network" Lin Li Ching ao "Washington Post".
O risco de contaminação acidental em laboratório é, aliás, um dos principais argumentos a favor da destruição das amostras.
Na década de 1970, houve um caso de contaminação dessa forma em Birmingham, no Reino Unido. Embora o episódio tenha causado uma morte, ele foi logo contornado.
"Nós sentimos que o mundo ficaria mais seguro sem a existência desses estoques de vírus", completou Lin.
Editoria de arte/Folhapress | ||
CANTAR VITÓRIA
O grupo que é contra a destruição do O. variolae diz que acabar com as amostras seria cantar vitória sobre a doença antes do tempo.
"Sou radicalmente contra a destruição. Comemorar uma vitória de três décadas diante de algo que tem milhares de anos é muita pretensão", avalia Erna Kroon, coordenadora do Laboratório de Vírus da Universidade Federal de Minas Gerais.
Segundo Kroon, é possível que haja amostras clandestinas do vírus. Além disso, haveria formas de recuperá-lo em cadáveres congelados, por exemplo.
"Destruir os exemplares oficiais do vírus dificultaria imensamente a reação em caso do retorno da doença", avalia a cientista.
Responsável por 500 milhões de mortes só no século 20, a varíola foi erradicada com um esforço mundial de vacinação em massa.
Com o declínio da doença, os governos interromperam as imunizações e, atualmente, boa parte da população está desprotegida.
Apesar de muitos países, especialmente os EUA, terem estoques significativos da vacina, seria improvável que o vírus fosse controlado com a rapidez de antes.
A imunização tem efeitos colaterais sérios e também não pode ser usada por pessoas com baixa imunidade. Caso de quem já passou por transplantes, é portador do HIV, entre outros.
NO PAPEL
Mesmo que os países-membros da OMS decidam pela destruição das amostras remanescentes do vírus da varíola, a organização não tem poder para impor a decisão aos EUA e à Rússia.
Ainda assim, se desobedecessem uma determinação da OMS, que é da ONU (Organização das Nações Unidas), os dois países estariam sujeitos a uma ampla condenação internacional. Por isso, a importância de uma vitória no plano diplomático.