Há 11 mil anos, o cardápio na aldeia aos pés da cordilheira era simples, mas apetitoso: pães de cevada ou de trigo, lentilhas, ervilhas e, com alguma sorte, cabrito ou gazela no espeto. Assim comiam os iranianos que estão entre os mais antigos agricultores do planeta.
O menu acima se baseia nas descobertas de arqueólogos da Universidade de Tübingen (Alemanha), que tiveram a rara oportunidade de fazer escavações no Irã entre 2009 e 2010.
Os achados deles dão mais peso à ideia de que a origem da agricultura foi um fenômeno complicado: em vez de uma "invenção" única que depois se difundiu, vários grupos do Oriente Médio parecem ter aprendido a cultivar cereais independentemente, mais ou menos ao mesmo tempo.
Acreditava-se, no entanto, que o Irã tivesse ficado de fora desse primeiro boom agrícola, tendo apenas importado a ideia dos povos a oeste. Os dados do sítio arqueológico de Chogha Golan, perto das montanhas do Zagros, mostram que os iranianos viraram agricultores na mesma época que os antigos habitantes de Israel e da Síria, por exemplo.
Outro ponto importante é que poucos sítios arqueológicos do chamado Crescente Fértil têm um registro tão rico das várias etapas de "domesticação" das plantas quanto o de Chogha Golan.
São 11 camadas diferentes de ocupação humana, um intervalo de pouco mais de 2.000 anos, estima a equipe de Tübingen em artigo na revista especializada "Science". Há artefatos de pedra -- vários deles usados para triturar grãos. E, principalmente, mais de 20 mil restos de plantas.
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Outros estudos tinham apontado o Oriente Médio como uma região ideal para o surgimento da agricultura por causa da grande diversidade de cereais com ciclo de vida anual e sementes relativamente grandes e nutritivas --a área seria o maior celeiro natural do mundo.
Bastaria que os caçadores-coletores começassem a usar esse recurso de forma mais intensa para que as coisas começassem a se encaminhar para uma forma de cultivo (veja infográfico).
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress | ||
De um lado, as pessoas tenderiam, por exemplo, a arrancar as espécies de plantas que não comiam para dar mais espaço aos vegetais de seu interesse. O armazenamento ou descarte de sementes poderia levar à germinação acidental dos cereais, e depois ao plantio.
Nesse ponto, os sujeitos já teriam virado agricultores, mas ainda estariam plantando vegetais "selvagens". Isso porque as variedades agrícolas de hoje são incapazes de dispersar suas próprias sementes: se não forem colhidas, elas apodrecem na espiga.
Tais plantas apareceram porque, de vez em quando, os cereais selvagens sofriam uma mutação que impedia a fragmentação da espiga. Num mundo sem pessoas, esse tipo de mutação costumava ser suicídio para a planta, mas os agricultores primevos sacaram qual era o potencial desses mutantes e passaram a propagá-los.
Esse passo-a-passo fica bem claro no sítio de Chogha Golan. Há 11 mil anos, a cevada ainda tem "cara" silvestre, mas há indícios de que ela já estava sendo plantada. "Um deles é a quantidade de ervas daninhas, que aumenta com certas técnicas de manejo do solo", explicou à Folha a arqueóloga Simone Riehl, coordenadora do estudo. Mil anos depois, surge o trigo com espiga "doméstica".
É claro que ainda é preciso explicar por que, depois de ser caçador-coletor por 190 mil anos, o Homo sapiens adotou a vida agrícola. Há quem aponte que a maior estabilidade do clima com o fim da Era do Gelo teria tornado mais previsível o uso dos cereais como fonte de alimento.
"Os fatores climáticos são importantes, mas eu não reduziria a transição nos métodos de subsistência a isso", diz Simone. "Alguns sugerem até que houve mudanças no cérebro humano nesse período, favorecendo a adoção do sedentarismo e de grupos maiores."
Outro ponto importante das descobertas é o mero fato de um grupo europeu ser capaz de fazer escavações no Irã. A pesquisadora, porém, diz que ainda é cedo para falar numa "primavera arqueológica" iraniana. "O que está havendo é um lento aumento do número de pesquisadores interessados nessa área pouco investigada."