O épico espacial "Interestelar" nasceu da colaboração entre uma produtora de Hollywood e um físico de renome, e o filme vai servir de base para pelo menos dois artigos científicos inovadores, mas a velha máxima ainda vale: não acredite em tudo o que você vê no cinema.
Com a ajuda do consultor científico Kip Thorne, professor aposentado do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), os criadores do filme rechearam a trama com alguns dos conceitos mais desafiadores da física moderna. Em alguns casos, como o das influências bizarras que os buracos negros podem exercer sobre a passagem do tempo, a história tem uma boa dose de precisão científica. Em outros, as leis da física são submetidas a gambiarras ficcionais que fariam Einstein se revirar na cova.
(Antes de continuar a leitura, um aviso: a discussão abaixo contém detalhes do filme, os famosos "spoilers".)
Editoria de Arte/Folhapress | ||
"Não adianta muito a gente ficar procurando picuinha. No fundo, o objetivo principal do diretor é contar uma história, e se para ele essa história exige violar o que a gente sabe sobre o Universo, a ciência vai ficar em segundo plano", pondera Gustavo Rojas, astrônomo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
A participação de Thorne, que ajudou a escrever uma das primeiras versões do roteiro junto com a produtora Lynda Obst, não se deu por acaso. O físico é justamente um dos principais estudiosos dos chamados "buracos de minhoca" - supostas conexões diretas entre pontos distantes do espaço (e do tempo).
É a descoberta de um desses túneis cósmicos, nas vizinhanças de Saturno, que permite aos astronautas do filme viajarem rapidamente para uma galáxia distante, tentando achar um planeta que poderia servir de lar para a humanidade presa a uma Terra moribunda.
As equações da teoria da relatividade geral, formuladas por Einstein, parecem permitir a existência desses trecos - o que não significa que eles de fato estejam por aí, lembra Rojas. "Nada garante que seria possível, além de abrir o buraco, mantê-lo estável e capaz de ser atravessado de maneira suave, sem falar no tipo de energia necessária para criá-lo", explica.
TIQUE-TAQUE MALUCO
Após cruzarem o buraco de minhoca, nossos heróis chegam a um sistema planetário dominado por um buraco negro supermaciço, chamado Gargântua. Três planetas potencialmente habitáveis existem nessa região galáctica, e o grupo vai tentar obter dados de um deles, mas o problema é que, no caso desse planeta, a influência da gravidade de Gargântua é tão forte que uma hora na superfície equivale a sete anos da Terra.
Ponto para o filme, nesse caso. "Esse efeito de dilatação temporal parece OK. Isso é real, já foi comprovado", resume Rojas. Trata-se de uma consequência da relatividade. Einstein mostrou que o espaço e o tempo estão interligados, e que a força da gravidade é capaz de distorcer os dois.
Um objeto extremamente maciço, como um buraco negro, seria como uma bola de boliche colocada em cima de um colchão macio: sua presença "afunda" o espaço-tempo, levando à passagem mais lenta do tempo da perspectiva de quem está perto do astro "obeso".
As contas de Thorne mostram ainda que um planeta orbitando o monstro cósmico até poderia escapar de virar purê por causa da gravidade do buraco negro. Problemas maiores são a fonte de luz dos planetas - haveria uma estrela companheira do buraco negro, nunca citada na história? - e a forte radiação emitida pelo objeto conforme ele vai atraindo e "devorando" matéria de suas vizinhanças. Tal radiação poderia acabar matando rapidamente os viajantes espaciais.
Essas dificuldades são fichinha, porém, perto do fato de que Cooper, o astronauta vivido por Matthew McConaughey, resolve mergulhar dentro de Gargântua para obter dados essenciais para salvar a raça humana, permitindo a evacuação da Terra. É verdade que ninguém ainda sabe de fato o que há no coração de um buraco negro, mas o certo é que nada sobreviveria a um mergulho num deles.
"Hoje, vemos que muita gente acaba se interessando por ciência por causa de filmes como esse. Por um lado, ele passa uma ideia errada do que é ser cientista, ainda mais num país como o nosso, mas o saldo final, acho, é positivo", diz Rojas.