Um cientista britânico laureado com o Prêmio Nobel renunciou ao cargo de professor honorário da University College London após dizer que mulheres cientistas deveriam trabalhar em laboratórios separados dos homens.
Tim Hunt, 72, disse no início da semana em uma conferência internacional de jornalismo científico em Seul, na Coreia do Sul, que a reação de mulheres às críticas pode dificultar o trabalho nos laboratórios.
"Deixem-me contar a vocês sobre o meu problema com as mulheres. Três coisas acontecem quando elas estão no laboratório. Você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você e quando você as critica, elas choram", disse.
Csaba Segesvari/AFP | ||
Tim Hunt, 72, ganhador do Prêmio Nobel de 2001, em foto tirada em março de 2012 |
Em declaração publicada na última quarta-feira (10), confirmando a renúncia de Hunt, a University College London disse que "foi a primeira universidade na Inglaterra a admitir estudantes mulheres em termos de igualdade aos homens e que acredita que esse resultado é compatível com o compromisso com a igualdade de gênero".
O texto também afirma que o cargo de professor honorário não envolve salário e normalmente não envolve ensino ou pesquisa, e sim atividades em consulta aos departamentos da universidade.
Á rádio BBC, Hunt se desculpou e disse não ter tido intenção de causar problemas com mulheres.
"Eu já me apaixonei no laboratório, elas já se apaixonaram por mim e isso é muito perturbador para a ciência, porque em um laboratório é muito importante que as pessoas tenham as mesmas chances de sucesso", disse. "Descobri que esses envolvimentos emocionais tornam a vida muito difícil. Sinto muito por qualquer ofensa que tenha feito. Eu só quis ser honesto", afirmou.
O bioquímico foi laureado com o Prêmio Nobel de fisiologia ou medicina, em 2001, por suas pesquisas sobre divisão celular.
REAÇÃO
O caso gerou grande repercussão nas redes sociais. Mulheres cientistas de diversos países começaram a postar fotos em que aparecem trabalhando nos laboratórios com textos irônicos e a hashtag #distractinglysexy (algo como "minha sensualidade distrai"). O assunto chegou aos "trending topics" (assuntos mais mencionados) do Twitter dos Estados Unidos.
Nas imagens, elas usavam seus uniformes de trabalho com legendas irônicas do tipo "Ainda pareço sexy depois de um dia inteiro de cultura de células. E nem chorei dessa vez", ou "Me apaixonei pela microcentrífuga... Mais um dia comum no laboratório".
"Isso, de que homens e mulheres não deveriam trabalhar no mesmo laboratório é uma grande bobagem", disse à Folha Mayana Zatz, geneticista da USP. Para ela, essas declarações são um caso isolado e não representam o cenário do país. "Já disse mais de uma vez que no Brasil as mulheres cientistas não são alvo de preconceito."
A diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader, disse que é lamentável que um laureado pelo prêmio Nobel neste milênio tenha um pensamento dessa natureza.
"Ele deveria estudar um pouco a história da ciência. Se fizesse isso, saberia que a única pessoa que ganhou o Prêmio Nobel na área de ciência duas vezes foi uma mulher: Marie Curie. Talvez ele tenha tido alguma experiência pessoal ruim que esteja atrapalhando seu julgamento sobre as mulheres", disse.
Suzana Herculano-Houzel, neurocientista, professora da UFRJ e colunista da Folha, também comentou as declarações do bioquímico.
"Acho lamentável uma pessoa supostamente tão inteligente culpar o sexo oposto por sua própria incapacidade de controlar seu comportamento. A declaração 'brincalhona' dele não fica longe das opiniões sexistas que culpam mulheres pelo seu estupro", disse.
"Meninos e meninas aprendem essa premissa sexista de que uns agem sem chorar e outras, chorando. Enquanto existir premissa, essa expectativa de que meninas e mulheres pensam e agem diferente, ela será uma profecia autorrealizada", completou.
Com as agências de notícias