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    Cientistas criam miniórgãos com células-tronco para entender doenças

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    10/09/2015 02h00

    A equipe coordenada pelo biólogo brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, produziu recentemente uma batelada de minicérebros humanos em laboratório.

    A ideia pode parecer um tanto assustadora, mas o fato é que a criação de versões miniaturizadas de cérebros, estômagos, pulmões e pâncreas (entre outros órgãos) está se tornando uma ferramenta de pesquisa cada vez mais comum. Uma das principais revistas científicas do mundo, a "Nature", apelidou o fenômeno de "ascensão dos organoides", que têm frações de milímetros.

    Esse é o termo usado para designar entidades como os minicérebros de Muotri e companhia, que surgem a partir do controle da diferenciação (grosso modo, especialização celular) das células-tronco. Há ainda os órgãos em chips, que também podem ser criados a partir de células-tronco, chamados assim porque são cultivados com a ajuda de minúsculos "andaimes" que lembram chips de computador.

    Em ambos os casos, o objetivo inicial dos pesquisadores é entender o complicadíssimo processo pelo qual uma única célula –a do óvulo fecundado– dá origem ao organismo adulto, e os muitos passos que podem dar errado nesse processo, levando a doenças.

    Organoides e órgãos em chips também têm potencial para simplificar a busca por novos remédios -bastaria simular o tratamento neles para saber de antemão se uma droga é promissora. E, é claro, não se pode descartar a possibilidade de montar do zero órgãos "tamanho padrão" para transplante –embora isso ainda esteja bem longe de acontecer.

    Infográfico: Miniórgãos

    VISÃO 3D

    Os pioneiros na criação dos organoides, como o japonês Yoshiki Sasai e o holandês Hans Clevers, conseguiram seus primeiros grandes avanços no começo desta década, ao perceber que o grande truque envolvia o cultivo de células-tronco num ambiente tridimensional, e não nas camadas "achatadas" de células normalmente usadas em laboratório.

    Ocorre que as células-tronco, conhecidas por sua capacidade de dar origem a diversos tipos de tecido do organismo, conseguiam se valer desse estímulo "3D" para produzir estruturas que lembram órgãos de verdade.

    Um dos jeitos de obter tal resultado é produzir células-tronco do tecido que se deseja estudar (precursoras dos neurônios no caso do cérebro, por exemplo) e depois inseri-las em matrigel –como diz o nome, trata-se de um gel proteico que imita a matriz que existe entre as células do organismo (veja infográfico).

    Com a ajuda do matrigel, e de outras técnicas relativamente simples, as células conseguem se auto-organizar e replicar, em miniatura (em estruturas do tamanho de uma semente de gergelim, por exemplo), parte da complexidade e da divisão de trabalho entre tipos celulares que pode ser vista num órgão real, o que faz deles ferramentas mais realistas do que as culturas de células tradicionais.

    No caso da pesquisa de Muotri, por exemplo, os minicérebros têm uma estrutura em camadas semelhante à do córtex cerebral humano. O ponto crucial, no entanto, é a fonte das células: três pacientes portadores de uma doença neurológica rara e sem cura, a síndrome do MECP2 duplicado.

    Esse problema congênito, caracterizado por dificuldades motoras e de fala, epilepsia e traços de autismo, surge por conta de uma duplicação do gene MECP2, como o nome sugere.

    O objetivo da equipe, portanto, era recriar, de alguma maneira, a dinâmica cerebral típica de quem tem a síndrome. Para isso, obtiveram células dos pacientes, fizeram com que elas voltassem a um estado altamente versátil, semelhante ao embrionário e, a partir daí, criaram neurônios que se organizaram em minicérebros.

    Com isso, o grupo observou que o problema da síndrome parece ser o excesso de conectividade entre os neurônios, que produzem mais projeções do que o normal e "conversam" entre si de forma exageradamente sincronizada.

    "Por fim, usamos tudo isso para testar drogas que poderiam reverter o problema. Testamos 45 substâncias e encontramos uma capaz de reverter completamente os defeitos dos minicérebros", conta Muotri. Os resultados sairão em artigo na revista científica "Molecular Psychiatry", e o biólogo diz que espera poder testar a abordagem em pacientes humanos "num futuro próximo", após testes com animais.

    Um modelo parecido está sendo aplicado a uma série de outros tecidos do organismo. No caso dos órgãos em chips, um dos objetivos é montar um sistema relativamente completo de teste de medicamentos.

    No caso de um novo remédio contra o câncer de mama, por exemplo, isso envolveria simulações das próprias células cancerosas da mama, do intestino (no caso de um medicamento oral, é lá que o princípio ativo do remédio é absorvido pelo organismo) e do fígado (principal órgão responsável por lidar com substâncias estranhas e potencialmente tóxicas, como é o caso dos quimioterápicos).

    Isso ajudaria os pesquisadores a ter uma noção relativamente boa do potencial de uma droga antes de dar início a testes em animais e pessoas.

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