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    Nobel de medicina vai para pesquisas em doenças de países pobres

    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    05/10/2015 06h42

    Jonathan Nackstrand/AFP
    William C. Campbell, Satoshi Omura e Youyou Tu, ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 2015
    William C. Campbell, Satoshi Omura e Youyou Tu, ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 2015

    Um Nobel para os pobres. É assim que o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2015 poderá ser lembrado. Ele foi concedido a descobertas ligadas a doenças tropicais que afetam principalmente países pobres.

    Pelas descobertas ligadas a uma nova terapia contra a malária, a chinesa Youyou Tu, de 84 anos foi premiada.

    Ela dividirá o prêmio com os cientistas William Campbell, 85, irlandês radicado nos EUA, e o japonês Satoshi Omura, 80. Eles receberão a outra metade do prêmio pelas descobertas ligadas a uma nova terapia contra infecções causadas por vermes.

    Omura foi pioneiro em uma área que ele mesmo classificou como entediante: isolar bactérias provenientes do solo. Entre alguns milhares de tentativas, ele separou 50 culturas de bactérias promissoras –no sentido de produzir compostos antimicrobianos– do gênero Streptomyces.

    Já Campbell isolou o princípio ativo responsável por curar verminoses em animais. A molécula ficou conhecida como avermectina. A partir dela foi desenvolvida outra, a ivermectina, que trata várias verminoses tanto em homens quanto em animais domésticos e de fazendas.

    Omura disse, em conferência, que "só tomou emprestado o poder dos micróbios".

    Com os achados, doenças como a filariose e a oncocercose passaram a ter um tratamento eficaz. A filariose é uma doença transmitida por mosquitos e causada por um verme (filária) que se aloja por anos no sistema linfático, e, quando se manifesta, provoca deformações e inchaço, principalmente dos genitais e das pernas. Grande parte dos casos estão na Índia e na África, mas também há casos em outras partes do mundo.

    Doenças do Nobel

    A doença não é fatal, mas ela incapacita e traz estigma social por conta da aparência alterada, afirma o professor titular de infectologia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia Aluisio Augusto Segurado.

    A oncocercose, também conhecida como cegueira dos rios, é transmitida pelo borrachudo, parente dos mosquitos. e causada pelo verme Onchocerca volvulus. Ela provoca desfigurações e pode levar à cegueira. A maior parte dos casos estão na África. Em 1995, foi iniciado um programa de eliminação da doença no continente, com a distribuição de ivermectina.

    MEDICINA TRADICIONAL

    A chinesa Youyou Tu conseguiu isolar a nova droga durante um projeto secreto do governo chinês.

    Ela nasceu em 1930 na cidade de Ningbo, na província chinesa de Zhejiang. Durante a guerra entre o Vietnã do Norte, aliado chinês, e Vietnã do Sul, a malária era a principal causa de mortalidade em ambos os países. A cloroquina, melhor droga disponível na época, já estava criando resistência nos parasitas.

    A missão de Tu começou no final da década de 1960: ela e seu time pesquisaram mais de 2.000 receitas da e chegaram a 380 extratos, que foram testados em camundongos. Um deles, para febre intermitente (característica da malária), mostrou-se promissor. A planta era a Artemisia annua, e o princípio ativo ficou conhecido como artemisinina.

    O trabalho só foi publicado em 1977, ao término das restrições impostas pelo governo. A pesquisadora era pouco conhecida na área até o início do século 21 –seu nome só surgiu após pesquisas em documentos históricos do governo chinês.

    Atualmente a artemisinina é o único recurso disponível para os casos mais graves de malária –as formas mais agressivas do Plasmodium já ganhavam resistência à cloroquina, droga bastante utilizada.

    DESBRAVADORES

    Há alguns anos Youyou Tu vinha ganhando prêmios e o nome de dela sendo cogitado para o Nobel, já que a malária, apesar de ser uma doença tropical, goza do status de problema global.

    A surpresa, na avaliação de Segurado, foi a outra metade do prêmio ser dada a doenças que afetam principalmente países africanos e pobres como a Índia. "Os vencedores são desbravadores, pioneiros isolados que se dedicaram à pesquisa de doenças negligenciadas", diz. "São doenças que afetam o um bilhão de pessoas mais pobres do mundo."

    Para o professor de infectologia da Unifesp Celso Granato, a meta é achar uma política que contemple o desenvolvimento tanto das drogas que geram lucro para as indústrias farmacêuticas quanto daquelas que grande parte da população mundial precisa. E aí onde estaria o mérito dos vencedores deste ano.

    Os vencedores dividirão 8 milhões de coroas suecas, o equivalente a R$ 3,8 milhões. O dinheiro provém de um fundo deixado pelo patrono do prêmio, Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite. Os prêmios são distribuídos desde 1901.

    No ano passado, foram escolhidos como ganhadores três pesquisadores que descreveram as bases neurológicas da localização no espaço –o "GPS mental".

    Foram recebidas 380 indicações para o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina do ano de 2015. A escolha do vencedor do mais importante prêmio da área é realizada por um grupo de 50 pesquisadores ligados ao Instituto Karolinska, escolhido por Alfred Nobel em seu testamento para eleger aquele(s) que tenha(m) feito notáveis contribuições ao futuro da humanidade para receber a láurea.

    Entre as descobertas premiadas no passado estão a descoberta da estrutura do DNA por James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins (1962), a da penicilina por Fleming e outros (1945), a do ciclo do ácido cítrico por Hans Krebs (1953), e a da estrutura do sistema nervoso por Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal (1906).

    PRÓXIMOS PRÊMIOS

    Na terça (6) e na quarta (7) serão anunciados os prêmios nas áreas de física e de química, respectivamente. Os dois são distribuídos pela Academia Real Sueca de Ciências.

    Em 2014 ganharam Nobel de física os japoneses que inventaram os LEDs azuis –que permitem a criação de fontes de luz branca. Na área de química ganharam os desenvolvedores da microscopia de alta resolução.

    Na sexta (9) será anunciado o Nobel da paz, pelo comitê norueguês responsável pelo prêmio. Na segunda (12), o prêmio de economia será anunciado pela Academia Real Sueca de Ciências.

    Premio Nobel

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