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    Animais utilizam homossexualidade como estratégia de sobrevivência

    DANIELLA FRANCO
    DA RFI

    22/06/2017 14h13

    worldanimalfoundation.org
    Estudo do cientista Bruce Bagemihl registrou homossexualidade em cerca de 1.500 espécies
    Estudo do cientista Bruce Bagemihl registrou homossexualidade em cerca de 1.500 espécies

    A história de um casal de abutres machos que chocou um ovo abandonado da mesma espécie e, depois do nascimento, adotou o filhote em um zoológico de Amsterdã, na Holanda, comoveu internautas do mundo inteiro. O caso abriu o debate sobre a homossexualidade no mundo animal que, ao contrário do que se imagina, é muito comum e até necessária para a proteção e sobrevivência das espécies.

    Segundo os funcionários do zoológico Artis, na capital holandesa, os dois abutres homossexuais estavam juntos havia alguns anos. No último ano, eles construíram um ninho, acasalaram, mas, como são machos, não puderam gerar e colocar um ovo.

    Os criadores do local decidiram, então, "presentear" o casal de abutres com um ovo abandonado por uma ave fêmea da mesma espécie. O resultado foi que os dois machos chocaram o ovo por meses e, depois do nascimento do filhote, tornaram-se "pais exemplares", dizem os funcionários do zoológico.

    HOMOSSEXUALIDADE NOS ANIMAIS

    Embora a notícia tenha feito a volta do mundo, a divisão de tarefas "domésticas" entre os casais de machos e fêmeas dessa espécie já é conhecida, assim como a união de abutres do mesmo sexo. "Essa espécie, assim como inúmeras outras aves, quando entram na época reprodutiva, tanto os machos como as fêmeas, começam a ter alterações hormonais no organismo que determinam a manifestação de comportamento, de corte e de elaboração do ninho para reprodução. Então, essa vontade de procriar é biologicamente determinada, já está programada", explica Helena Truksa, bióloga especialista em comportamento animal, fundadora da Ethos Animal.

    Segundo ela, a união e a cópula entre indivíduos do mesmo sexo é algo muito comum em muitas espécies. "Cientificamente falando, é impossível dizer que todas as espécies animais são estritamente heterossexuais. O que se observa de forma mais comum é um amplo registro de bissexualidade, que é mantido ao logo das gerações e da evolução das espécies", diz.

    Esse comportamento, de acordo com a bióloga, traz diversas vantagens para os animais e não interfere no objetivo da reprodução. "Há uma maior formação de vínculo, estreitamento de laços, além de vantagens adaptativas que servem como estratégias de sobrevivência. É o caso dos macacos bonobos que utilizam o sexo para aliviar estresse e tensão dentro dos grupos e evitar brigas", afirma.

    HORMÔNIOS, GENÉTICA E ASPECTO EMOCIONAL

    A homossexualidade no mundo animal também é impulsionada por mecanismos hormonais, fatores genéticos e neurobiológicos, estimulada por neurotransmissores como dopamina, serotonina, ocitocina e endorfina no cérebro. "Então, em um primeiro momento, o que uniu aquele casal de abutres foi um conjunto desses fatores, antes de pensarmos no aspecto emocional", diz.

    As emoções também são um aspecto importante no comportamento animal. "Muito provavelmente há uma formação de vínculo baseada no afeto. Você vê isso ocorrendo em animais socialmente complexos como os elefantes, por exemplo. Eles formam famílias muito coesas e têm relações muito estáveis e duradouras", diz a bióloga.

    Como exemplo desse vínculo afetivo entre os elefantes, Truksa lembra a formação de cemitérios. "Eles levam seus familiares falecidos para locais estabelecidos como cemitérios e voltam a esses locais de tempos em tempos, em uma espécie de ritual que lembra as nossas relações com os mortos", afirma.

    No entanto, a especialista descarta a possibilidade de famílias serem criadas apenas por vínculos sentimentais. "É muito mais possível que a formação de pares aconteça por uma questão biológica", diz.

    AFEIÇÃO E REPRODUÇÃO

    Thierry Lodé, professor de ecologia evolutiva nas universidades de Rennes e Angers e pesquisador em Etologia do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), ao estudar formações de famílias, considerou dois aspectos: a existência de relações de afeição e da necessidade de reprodução. "Podemos dizer que os animais primeiramente buscam seduzir, sem uma orientação sexual precisa. E, depois, quando percebem que se gostam, eles talvez irão fundar uma família e se reproduzir."

    Segundo Lodé, a sexualidade no mundo animal é muito mais ampla e tem menos regras que a espécie humana. Por exemplo, não há uma preocupação de formação de uma família "tradicional". "Se o casal for composto por dois machos que têm essa necessidade de procriar, vão tentar adotar um filhote, como foi o caso dos abutres de Amsterdã. Se forem duas fêmeas, podem procriar com outros machos, ter filhotes, mas continuar vivendo entre elas", diz.

    Em vários casos, o pesquisador diz ter observado famílias formadas por grupos e não apenas por uma dupla. "Temos casos até mesmo de famílias formados por trios ou quartetos. Em algumas espécies de patos, gansos e cisnes, por exemplo, dois machos se unem a uma fêmea. Ela vai pôr ovos no ninho que eles criaram e são os dois machos que vão chocar e cuidar dos filhotes. Há outras espécies que se unem em grupos e formam grandes famílias, porque eles se gostam e querem ficar juntos. E isso mostra que há duas coisas diferentes: a relação amorosa e a necessidade de reprodução."

    Os especialistas são unânimes em afirmar que as uniões entre indivíduos do mesmo sexo causam problemas em apenas uma espécie: a humana. Entre todas as outras, não há registros de preconceito, intolerância ou rejeição devido à orientação sexual de um indivíduo.

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