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    Nobel 2017

    Nobel de Fisiologia ou Medicina vai para pesquisas sobre relógio biológico

    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    02/10/2017 07h00 - Atualizado às 17h55

    O Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2017 foi para três americanos, Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W Young, pelas descobertas dos mecanismos moleculares por trás dos ritmos circadianos. O anúncio foi feito na manhã desta segunda (2).

    A palavra circadiano significa "ao redor do dia" e os ritmos circadianos têm origem evolutiva que remonta às células mais primitivas. Na prática, eles permitem que as células –e os organismos que formam– tenham um comportamento otimizado dependendo da hora do dia.

    O trabalho dos americanos foi decifrar quais são as engrenagens moleculares do chamado relógio interno. A grande sacada dos pesquisadores foi perceber que existe um processo de retroalimentação que configura o relógio.

    Nobel 2017

    Em conversa por telefone com a Folha, o agora nobelista Michael Rosbash, da Universidade Brandeis, disse que foi acordado logo cedo por um representante do comitê do Nobel. "Estava na cama, dormindo, quando o telefone tocou. Eram 5h10 da manhã."

    "Fiquei muito surpreso. É uma área importante mas não pensávamos que ela seria agraciada. Existem várias áreas empolgantes na biologia", disse.

    Décadas atrás, quando começou a pesquisar na área, uma das dificuldades era lidar com as técnicas de manipulação do DNA, ainda incipientes. "Era desafiador clonar esses genes. Éramos jovens e trabalhávamos duro e não tínhamos ideia aonde aquilo nos levaria."

    Editoria de Arte/Folhapress

    Um experimento conduzido no século 18 já mostrava que seres vivos poderiam ter uma espécie de relógio interno: a planta mimosa abre suas folhas de dia e as fecha à noite. Quando foi colocada em um ambiente escuro, o padrão de abertura e fechamento se repetia. O que faltava era explicar como isso ocorria.

    Os primeiros experimentos ocorreram na década de 1970, mas só na década de de 1980 é que houve um salto na área, com estudos usando a mosquinha Drosophila melanogaster.

    A dupla Hall e Rosbash foi responsável pelas descobertas do funcionamento do gene "period".

    Basicamente, o gene period é o responsável pela produção do RNA mensageiro que contém instruções para a produção da proteína PER. Essa proteína, por sua vez, é responsável por inibir a atividade do gene period.

    Dessa forma, dependendo da quantidade de proteína PER em suas células, é possível que o organismo tenha uma noção aproximada de que horas são.

    Uma questão, no entanto, faltava ser resolvida: a periodicidade. O que faria o ciclo de produção de PER durar aproximadamente 24h?

    A resposta veio com o trabalho de Young, que descobriu um outro gene de relógio, o "timeless" que produz a proteína TIM.

    Young mostrou que a proteína TIM se liga à proteína PER. Esse complexo consegue entrar no núcleo da célula e bloquear a atividade do gene period. Ele ainda descobriu um outro gene, o "doubletime", que faz proteína DBT, também capaz de atuar diretamente sobre a PER, provocando sua degradação.

    A partir das descobertas premiadas em 2017 surgiu o embasamento para explicar por que, em humanos, a pressão sanguínea é maior e os reflexos são mais ágeis de dia e, de noite, tendemos a sentir sonolência e baixar a temperatura corporal.

    BRASIL

    Atualmente já há também explicações de como fatores externos, como a luminosidade, entram na jogada. Mas esse avanço só foi possível por esses trabalhos que quebraram o paradigma de uma área, segundo a comissão do Nobel.

    O ponto de vista é reforçado pela professora da USP Regina Markus, que pesquisa na área de cronobiologia. "Interessante que foi um reconhecimento da pesquisa básica, feita em Drosphila [mosquinhas]. Os trabalhos premiados são a raiz, o início da área", diz. "O Brasil geralmente se preocupa em financiar tecnologia ou inovação, mas, para esses acontecerem, é necessária uma pesquisa básica de alta densidade. É dela que surgem desdobramentos como esses", diz Markus.

    Em uma de suas linhas de pesquisa a professora mostrou que a noção de tempo para o organismo pode ser afetada por lesões –quando a melatonina, hormônio que sinaliza a fase escura do dia, deixa de ser produzida. O hormônio é uma das formas de o organismo sincronizar os vários relógios biológicos.

    "Relógio biológico" não é um termo que Mario Pedrazzoli, cronobiologista e professor da USP-Leste tenha em alta conta. Ele prefere usar "temporizadores biológicos", porque "o termo relógio é uma falsa analogia e traz a ideia de uma ideia de marcação do tempo fixa, que não depende de mais nada".

    Em um de seus trabalhos, Pedrazzoli mostra que o gene PER3 -parente do PER- é importante para explicar hábitos diurnos em primatas e que alterações no gene podem levar a distúrbios de sono.

    Há outros estudos que mostram possíveis efeitos negativos relacionados à agressão do relógio (ou temporizador) interno: hipertensão, obesidade, diabetes, problemas de memória e colesterol elevado. O que falta, afirma Pedrazzoli, é traduzir o conhecimento em medicina preventiva.

    Indo para o lado biológico da coisa, Rosbash diz que ainda há mistérios a serem resolvidos. Por que a temperatura não exerce nenhuma influência nesse processo, que é em grande parte químico? Outra incógnita é o motivo de nós e todos os outros animais dormirem -falta entender a função do sono.

    No ano passado o vencedor do prêmio foi Yoshinori Ohsumi, que desvendou grade parte do mecanismo pelos qual as células reciclam o próprio "lixo", a autofagia. O processo é importante para a renovação celular e também tem papel importante em doenças.

    A única pessoa nascida no Brasil que recebeu um Nobel foi o britânico Peter Medawar, pela descoberta das bases da tolerância imunológica adquirida, ou seja, a capacidade de fazer o sistema imunológico de um organismo não reagir a certos fatores.

    Rosbash também tem vínculo com o Brasil. Ele conta que seus avós maternos se estabeleceram no país e que tem primos em São Paulo.

    ESCOLHA

    A escolha do vencedor do mais importante prêmio da área é realizada por um grupo de 50 pesquisadores ligados ao Instituto Karolinska, na Suécia, escolhido por Alfred Nobel em seu testamento para eleger aquele que tenha feito notáveis contribuições ao futuro da humanidade para receber a láurea.

    O prazo para o comitê receber as indicações foi dia 31 de janeiros. Ao todo foram 361 nomes no páreo.

    Podem indicar nomes membros do comitê do Nobel do Instituto Karolinska, biologistas e médicos ligados à Academia Real Sueca de Ciências, vencedores dos Nobéis de Fisiologia ou Medicina ou de química, professores titulares de medicina de instituições suecas, norueguesas, finlandesas, islandesas ou dinamarquesas e acadêmicos e cientistas selecionados pelo comitê do Nobel –autoindicações são desconsideradas.

    A cerimônia de premiação propriamente dita dos vencedores deste ano só ocorre em dezembro.

    Entre as descobertas premiadas no passado estão a descoberta da estrutura do DNA por James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins (1962), a da penicilina por Fleming e outros (1945), a do ciclo do ácido cítrico por Hans Krebs (1953), e a da estrutura do sistema nervoso por Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal (1906).

    Outras descobertas notáveis premiadas pelo Nobel de Medicina ou Fisiologia são a da insulina (1932), da relação entre HPV e câncer (2008), a da fertilização in vitro (2010), a de que existem grupos sanguíneos (1930) e a de como agem os hormônios (1971).

    Os vencedores de 2017 dividirão o prêmio de 9 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 3,5 milhões). O dinheiro vem de um fundo de mais de 4 bilhões de coroas suecas (em valores atuais) deixado pelo patrono do prêmio, Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite. Os prêmios são distribuídos desde 1901. Além do valor em dinheiro, o laureado recebe uma medalha e um diploma

    QUÍMICA E FÍSICA

    Nesta terça (3) e na quarta (4) serão anunciados, respectivamente, os prêmios nas áreas de física e de química. Os dois são distribuídos pela Academia Real Sueca de Ciências.

    Nobel 2016

    Em 2016 ganharam o Nobel de física um trio de pesquisadores dos EUA que desenvolveu técnicas capazes de desvendar a existência de novos estados da matéria em condições extremas.

    No mesmo ano, o prêmio de química ficou com três pesquisadores responsáveis pela aurora da área das nanomáquinas, dispositivos moleculares capazes de tarefas extraordinárias, ao menos em teoria, como levar um carregamento de uma determinada droga diretamente para um tumor, combatendo-o.

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