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    Alessandra Orofino

    Brasília em chamas: diretas e violência

    29/05/2017 02h00

    Igo Estrela/Folhapress
    Fogo no prédio do Ministério da Agricultura, em Brasília, durante protesto contra o governo
    Fogo no prédio do Ministério da Agricultura, em Brasília, durante protesto contra o governo

    Não gosto de manifestações violentas. Por uma série de razões. Primeiro, porque são excludentes -há uma série de pesquisas que mostram que ondas de protesto têm muito mais chance de ganhar escala se forem pacíficas, sobretudo entre cidadãos mais velhos, adolescentes e mulheres. Segundo, porque o emprego da violência gera, de fato, farta munição retórica para o "outro lado", podendo subsidiar, inclusive, o acirramento de medidas de exceção e a militarização da repressão.

    Os liberais que inventaram a democracia representativa –e seu jeito persistente de assegurar a transição pacífica de elites no poder– também não gostavam de violência. Contra ela, defendiam, em geral, o voto. Uma população que vota não precisa cortar a cabeça da rainha. Pode simplesmente escolher outro monarca, dentre uma série de opções delimitada previamente por obscuros mecanismos de reprodução política e social.

    Dá para perceber que não vejo o voto como nada de revolucionário. Pelo contrário. É o básico, é o feijão com arroz da democracia –e, ao mesmo tempo, é também o instrumento de criação da ilusão do controle, podendo ser profundamente perverso e, na essência, antidemocrático. Afinal, quem de nós sabe, de verdade, como os partidos escolhem seus candidatos? E quem tem influência sobre esse processo? Dá para dizer que vivemos numa democracia se vamos todos ser comidos e a única coisa que podemos escolher é o ponto de cozimento?

    No entanto, apesar de todas as limitações e contradições inseridas no voto, uma coisa é inegável: numa república presidencialista, quando o voto é negado –ou usurpado, ou ignorado– fecha-se o único canal importante de participação institucional da população. E, a partir daí, não dá para dizer a essa população que a violência é ilegítima. A violência é, nesse caso, o último recurso possível depois da falência de todos os outros. É mais do que compreensível –é inevitável que ela ocorra.

    Note-se que aqui estou falando apenas da violência contra o patrimônio, nunca contra pessoas. Aliás, quem costuma voltar as suas garras contra as gentes, e não as coisas, é o Estado –esse que é responsável, segundo as estatísticas mais conservadoras, por pelo menos 5% dos homicídios do Brasil. E que agora, no seio da maior cidade do país, quer ter o poder de privar qualquer ser humano de sua liberdade e suas escolhas sem julgamento prévio, bastando para isso alegar, unilateralmente, que essa pessoa está viciada em drogas: um tipo de tutela violenta que faria os mesmos liberais que inventaram a representação moderna ter um pequeno infarto do miocárdio.

    Aos céticos que temem as diretas, é importante que se diga: diretas ou não, eleições não vão, sozinhas, mudar o país. Para isso, precisaremos de uma reforma profunda de todos os mecanismos de participação, fazendo com que o controle da população se estenda muito, mas muito além do voto. Mas a ausência de diretas, num momento em que tanto o Executivo quanto o Legislativo estão no meio de uma crise de legitimidade e credibilidade sem precedentes, abre as portas não só para a violência, mas para a quebra de confiança que a violência representa e a partir da qual ela se justifica. A classe política do Brasil nos jogou no buraco em que estamos. A população deve poder escolher uma forma de sair dele. Ou Brasília só terá começado a queimar.

    alessandra orofino

    É economista, cofundadora da Rede Meu Rio e diretora da organização Nossas. Curadora do blog #AgoraÉQueSãoElas. Escreve às segundas, a cada duas semanas

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