• Colunistas

    Friday, 19-Apr-2024 21:19:53 -03
    Antonio Prata

    Os nazistas são todos uns nazistas

    20/08/2017 02h00

    Adams Carvalho/Folhapress

    Em 1991, quando as discussões on-line ainda engatinhavam, foi cunhada a "lei de Godwin". Frequentador assíduo dos então populares fóruns de discussão, o advogado e escritor americano Mike Godwin afirmou que, não importa o assunto, quanto mais o debate se estende, maior a probabilidade de um dos lados comparar o outro a Hitler ou aos nazistas. O consenso em grupos de discussão é que, neste momento, o debate termina e aquele que lançou mão da suástica ("reductio ad hitlerum") é imediatamente declarado perdedor.

    A derrota se dá pelo absurdo da comparação. O nazismo foi um movimento histórico tão terrível, levando à morte de mais de 50 milhões de pessoas (dois terços civis), que trazê-lo à baila para criticar a proliferação dos blocos de Carnaval ou a proibição do cigarro em bares e restaurantes soa não apenas ridiculamente desproporcional, mas cruel. Por ser o ápice da desgraça humana, o nazismo seria incomparável. Só o nazismo é como o nazismo.

    A "lei de Godwin" esteve informalmente em vigor de 1991 até o fim de semana passado, quando supremacistas brancos marcharam por Charlottesville, nos EUA, com tochas, bandeiras dos Confederados e (não, não é verdade, eu não estou vendo isso, caramba, é verdade, eles estão trazendo) SUÁSTICAS. "Judeus não nos substituirão!", cantavam, entre outros disparates (assista já a este filme da Vice: goo.gl/kjE1Mb). No dia seguinte à marcha, Mike Godwin declarou, via Twitter, que a sua lei estava revogada: "Pelo amor de Deus, comparem esses 'shitheads' aos nazistas. Vez após outra. Estou com vocês".

    O tuíte imediatamente gerou uma discussão: sendo os participantes da marcha realmente nazistas, seria correto o "comparem"? Godwin argumentou ter usado "comparem" pois "comparar" é um dos termos de sua lei e insistiu que sim, é possível comparar uma coisa a ela própria. Alguns tuiteiros não se contentaram com a resposta, a discussão foi mudando de rumo, passou pela pronúncia correta de "GIF", por pasta de amendoim, maconha, num determinado momento Godwin foi acusado de elitista e quando achei que o chamariam de nazista, provando a validade da "lei de Godwin" justamente num tuíte que pretendia revogá-la (seria o "paradoxo de Godwin"?), o papo chegou ao fim.

    Para além da anedota, o que a revogação da "lei de Godwin" infelizmente revela é que o nazismo, até então numa redoma de vidro no topo do museu da história, está novamente entre nós. "Nazismo" voltou a povoar as discussões on e off-line não para defender ou protestar contra cadeirinhas ou o cigarro em bares e restaurantes, mas para defender ou protestar contra o... "nazismo".

    Jamais pensei que fosse escrever uma coluna condenando o pensamento de Adolf Hitler. É preciso afirmar que não se deve exterminar aqueles que julgamos diferentes de nós? Diante das imagens de Charlottesville e da defesa aberta ou truncada que tantos fizeram, não só nos EUA, mas também no Brasil, daqueles racistas enfurecidos ("o direito de opinião é sagrado", "estavam defendendo uma estátua", "o outro lado foi lá só para arrumar encrenca"), vejo que sim.

    Ah, que saudades dos bons tempos em que o tema que mais exaltava os ânimos era a privatização ou estatização de empresas. "Nazistas!", acusavam-se os dois lados, ingenuamente, sem saber o que lhes esperava logo ali adiante.

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024