Ao escrever essa coluna, posso estar sendo feito de otário, e gostaria que o leitor soubesse disso, para não correr o mesmo risco. Há boatos de que Henrique Meirelles pode substituir Joaquim Levy na Fazenda. Há uma possibilidade razoável de ser blefe, coisa de quem quer desgastar Levy, desgastar Dilma, ou simplesmente ganhar uns trocados na bolsa de valores.
Mas vamos supor que não seja nada disso, e que a substituição seja uma possibilidade real. No mínimo, vale o exercício, pois pode ajudar a esclarecer o que está em jogo no ajuste. O que de substantivo aconteceria?
A julgar pelo retrospecto e pelas declarações recentes, não faz muito sentido esperar que Meirelles seja um ministro da fazenda heterodoxo. Meirelles tem uma visão de economia exatamente igual à de Levy. Supondo níveis semelhantes de competência (e por que não fazê-lo?), a substituição, sozinha, não quer dizer muito.
Na verdade, de acordo com o que tem vazado, Meirelles seria um ministro mais ortodoxo que Levy. O que se tem dito é que exigiria o direito de nomear a equipe econômica inteira. Para os propósitos dessa discussão, só o que faria diferença seria a substituição do desenvolvimentista Nelson Barbosa no Planejamento. Cada um terá uma opinião diferente sobre a conveniência de fazê-lo, mas é indiscutível que isso aumentaria o teor de ortodoxia no governo.
Dentro desses parâmetros, só faria diferença trocar o ministro se isso fosse parte de algum grande arranjo político que, por motivos que não estão claros, fosse mais fácil com Meirelles.
O problema do ajuste fiscal em 2015 não foi a falta de um plano de longo prazo, foi a dificuldade de aprovar qualquer coisa durante a crise política. Os parlamentares passaram 2015 sem saber se deviam fazer acordos com esse governo ou com o que o substituiria em caso de impeachment. Deve-se dizer, semana passada houve sinais de que as coisas começaram a destravar no Congresso (ao que parece, sem relação com os boatos de substituição na Fazenda).
Por outro lado, o ajuste fiscal de longo prazo, que talvez devesse ter prioridade sobre o de curto prazo (discutam, economistas) depende de negociações realmente difíceis. Pensem na Previdência, ou nas vinculações orçamentárias, por exemplo. Isso se resolve com grandes acordos políticos, e em 2015 não conseguimos fazer nem acordos políticos modestos.
Ainda segundo os boatos, Meirelles seria uma indicação de Lula. Não sabemos porque Lula gostaria de trocar um ortodoxo por outro, mas vamos supor que queira fazê-lo. Nesse caso, o apoio de Lula faria diferença, se fosse sinal de que o PT pretende declarar apoio ao ajuste de longo prazo. Não são esses os ruídos que têm vindo do PT.
Se não houver nada disso, a substituição seria apenas um exemplo de mudar o técnico para ver se melhora a moral do elenco. Às vezes dá certo, mas raro é o time rebaixado que não tenha tentado dar uma animada mudando o técnico três ou quatro vezes durante o campeonato.
Há uma crise política em curso, que talvez tenha começado a arrefecer, mas ainda não passou. E a sociedade civil precisa fazer a discussão da sustentabilidade fiscal do Estado brasileiro. Nem Joaquim Levy nem Henrique Meirelles são o problema, e nenhum deles, sozinho, será a solução.
É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.