A exposição de Amilcar de Castro no MAM do Rio é um acontecimento cultural que merece destaque, pois se trata de um dos mais significativos nomes da arte brasileira construtiva. Amilcar, que estudou em Belo Horizonte com Franz Weissmann, no início da década de 1950, adotou, no começo, a opção concretista, cujo representante internacional era Max Bill. Esse escultor suíço foi de fato o inspirador da nova tendência adotada por Amilcar, uma vez que ele, a partir dela, inventou sua própria linguagem, reconhecida como uma contribuição original àquela tendência estética.
Isso se deve à interpretação que Amilcar de Castro imprimiu à nova linguagem escultórica, marcada pela eliminação da massa que caracterizava a escultura desde sua origem. Mesmo depois de abandonar a linguagem figurativa, a escultura manteve a massa como sua matéria essencial, conforme os exemplos de Constantin Brancusi e Hans Arp.
A exceção é Alexander Calder, com seus móbiles, que têm origem na pintura de Mondrian.
Max Bill, autor da "Unidade Tripartida", que ganhou o grande prêmio da 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, buscou na matemática o elemento inspirador de suas esculturas que estão, por isso mesmo, distantes de qualquer alusão ao mundo real figurativo.
Não foi esse o caminho seguido por Amilcar. Ao contrário de Bill, ele parte da realidade material da placa metálica e de sua bidimensionalidade. Mas a escultura implica volume, portanto, tridimensionalidade. Para criá-la, sem retornar à massa, ao volume, corta a placa bidimensional e a dobra criando assim um volume virtual, que é apenas espaço. Esse procedimento o situa no polo oposto ao de Bill, pois está voltado para a materialidade da placa e, se lhe altera a bidimensionalidade, é por cortá-la e dobrá-la, num ato direto, material.
Essa relação de Amilcar de Castro com a placa metálica é, ao mesmo tempo, estética e ética, da qual está ausente qualquer fantasia, qualquer truque supostamente artístico. E é admirável que ele se tenha mantido neste rigor e nesta exigência durante toda a sua vida de escultor. Algumas outras experiências formais que realizou no campo da escultura, se fogem a essa problemática, não escapam ao mesmo rigor e economia expressiva que caracterizam sua criação.
Na referida exposição do MAM carioca, além das esculturas, há uma série de desenhos de grande formato, que Amilcar, a partir de certo momento de sua carreira, passou a realizar.
Lembro-me perfeitamente, já nos anos 1970, dele executando esses desenhos, não no tamanho gigante destes agora expostos, que realizaria mais tarde.
Embora esses desenhos não sejam considerados obras do mesmo nível que as suas esculturas, gostaria de me deter neles, para tentar compreender o que significam no conjunto da experiência expressiva do escultor. Levando-se em conta a coerência que sempre caracterizou a atitude de Amilcar em face da criação estética, seria difícil admitir que esses desenhos nada tenham a ver com suas demais obras.
Para realizá-los, Amilcar usava uma trincha larga, com que traçava, num gesto decisivo, uma linha vertical ou horizontal. Em seguida, substituía a folha de papel –sempre em posição horizontal e ele de pé– e repetia sobre ela, com o mesmo ímpeto, traços imprevisíveis. Isso se repetia duas, três, quatro ou mais vezes, como se estivesse em transe. Depois, escolhia os desenhos que lhe pareciam melhores.
Como não podia prever o que resultaria de tais gestos impulsivos, apostava mais no acaso gestual do que na forma elaborada. Isso me lembra da escrita automática dos surrealistas, que escreviam qualquer palavra no papel e, a partir dela, inventavam o poema, para, assim, fugirem ao controle da razão.
Descubro agora que Amilcar usava aquele mesmo procedimento para realizar as esculturas: o corte na placa equivalia ao gesto sobre o papel, pois o que daí resultava era igualmente imprevisível. Se tais observações são corretas, temos de admitir que a racionalidade de suas esculturas é apenas aparente. Ele aspirava à magia.
Na crônica anterior, em vez do nome do ministro Gilberto Carvalho, saiu "ministro Fulano", por equívoco.
Cronista, crítico de arte e poeta.