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    Francisco Daudt

    Hora propícia para se pensar sobre construção da complexa democracia

    13/04/2016 02h00

    Um frade fez a mesma pergunta a dois pedreiros que trabalhavam na obra da Notre Dame de Paris: "O que vocês estão fazendo?" O primeiro nem parou sua tarefa e respondeu: "Estou assentando uma fileira de tijolos".

    O outro se pôs de pé, ergueu a cabeça, os olhos perdidos no horizonte, e disse: "Eu estou construindo uma catedral".

    A catedral é uma beleza grandiosa e complexa, muito além de suas simplórias fileiras de tijolos. Complexidades e "simplorismos" competem por nossa adesão, as primeiras mais exigentes de nós do que os segundos.

    Por isso, lembro do ditado –"Quem não foi comunista quando jovem, não tinha coração; quem não deixou de sê-lo quando adulto, não tinha cérebro"– e me condoo com o que vejo entre os colegas de meus filhos: TODOS se declaram de esquerda, anticapitalistas, certos de que só o socialismo pode promover justiça social, e que esta consiste em distribuir os bens dos ricos, com meios variados de desapropriação, para os pobres. "Toda riqueza vem da exploração do homem pelo homem, toda propriedade é, portanto, um roubo", é a crença básica que eles têm.

    Simples, não? Não. Apenas simplório, mas extremamente atraente para jovens que querem respostas imediatas e se nauseiam com o árduo caminho de aprendizado que têm pela frente. Quanto mais quando se trata da dor de olhar a desigualdade em torno, e de se sentir impotente para intervir nela.

    Plano Real, inflação sob controle, responsabilidade fiscal, ambiente econômico seguro para trabalho e investimento, empreendedorismo que cria empregos, educação de qualidade que cria independência, tudo isso parece lento e complexo, menos sedutor que o populista dinheiro distribuído.

    É certo que eles passaram por anos de doutrinação socialista nas aulas de história e geografia de seus colégios –é conhecida a orientação que o PCB fez há décadas de que seus quadros ocupassem todos os cargos de professores dessas matérias–, e quem já deu uma olhada nos livros didáticos de seus filhos constatou o conteúdo eminentemente marxista que eles trazem. É certo que eles foram induzidos ao sentimento de culpa por estarem em colégios particulares e por serem da classe média quando há tantos favelados estudando (ou não) nessas horríveis escolas públicas (sem nenhuma menção à degradação do ensino público na "Pátria educadora").

    Foi daí que tiraram aquela certeza simplória: capitalismo não cria riqueza, tira-a dos pobres. É preciso combatê-lo através do socialismo para que eles recebam sua riqueza de volta, isso seria a "justiça social".

    Outra crença simplória é sobre uma entidade chamada "governo". Ele é riquíssimo, seu dinheiro (é do "governo", e não dos pagadores de impostos) só não vai para os pobres por maldade neoliberal dos ricos que o dominam.

    Disso tudo emerge uma ética simplória: "na luta contra a desigualdade, vale tudo!" Fazer o diabo para chegar ao poder e nele se manter, inclusive.

    A democracia –com igualdade de oportunidades, e diante da lei– é uma catedral complexa, mas nunca houve, em nosso país, um momento mais propício para se pensar sobre sua construção.

    francisco daudt

    Escreveu até dezembro de 2017

    Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.

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