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    Francisco Daudt

    Entrar na vida adulta significa aprender que não existe nada de graça

    09/11/2016 02h00

    Fernando Frazão/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 24-07-2012, 10h00: Fábrica de matrizes e cédulas da Casa da Moeda do Brasil (CMB), em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Processo de fabricação e itens de segurança das cédulas da nova família, em especial as notas de R$ 10 e R$ 20, lançadas na última segunda-feira (23), em Brasília, pelo Banco Central. (Foto: Fernando Frazão/Folhapress, FOTO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Na passagem para a vida adulta, perdem-se as ilusões de que dinheiro cai do céu, diz Francisco Daudt

    O pai, gaúcho, camponês meio xucro, disse ao filho: "Meu filho, na vida tu primeiro traça uma 'meretriz', depois tu segue essa 'meretriz' até o fim de teus dias, tchê!"

    É certo que a vida sem diretrizes fica muito imediatista, muito da mão para a boca, é mais assim quando somos crianças.

    Mas... Ninguém está ficando mais moço, há algo nos esperando na esquina da vida, algo além da morte, e que pode chegar muitas décadas antes dela: a vida adulta.

    Nessa tal de vida adulta, perdem-se umas coisas, ganham-se outras. Perdem-se ilusões: vida sem fim; amparo total; dinheiro que cai do céu; casa, comida, roupa lavada, passada e posta no armário; banheiro limpo, quarto arrumado, luz, gás, telefone, tudo isso sem pensar como acontece; médico, dentista e hospital "de graça"; a própria ilusão de que existe alguma coisa de graça... Enfim, a lista é interminável. Mas talvez a maior perda seja a ilusão de que tudo aquilo era uma espécie de direito adquirido, e a sensação de que estão fazendo alguma maldade conosco, ao tirá-lo.

    Ganham-se: independência e autonomia, o direito de mandar na própria vida.

    Mas o cliente estranhou que eu chamasse a transição para a vida adulta de Projeto Gente Grande: "Não é meio infantil?" Claro que é, e com quem você pensa que eu estou falando, senão com a infantilidade que existe em cada um de nós? Veja, eu não disse "criança", pois quero uma criança dentro da gente até o fim, criativa, curiosa, brincando pela vida afora. Mas para isso ela precisa deixar a infantilidade para trás: fada do dente; Papai Noel; coelhinho da Páscoa; governo forte que tem dinheiro interminável para nos sustentar, nos proteger e nos dizer o que pensar... Essas coisas, sabe?

    Está certo que nascemos completamente imediatistas, esse negócio de planejamento de médio e longo prazo só vem –se é que vem– mais tarde. Mas a tal da geração Y, essa está ferrada! Eles foram criados com a ideia de que o mundo lhes deve, de que TODOS são especiais (epa, isso é contradição entre termos), de que só farão coisas grandiosas, e sem esforço. Nos EUA, para eles não se usa mais "mimados" ("spoiled"), e sim os que "estão no direito de" ("entitled").

    Conversei com um deles, meu cliente: "Que tal você ter uma multa, pagar à sua mãe por cada quarto bagunçado, cada roupa pelo chão"? "Ah, não adianta, multa não me dói, quando a mesada acaba eu posso pegar dinheiro no gavetão dela". Ou seja, para ter um orçamento mensal, para desenvolver responsabilidade fiscal, ele precisa abrir mão do gavetão. "Você vai me achar um crianção", falou. "E eu estou aqui pra te julgar? Olha, o Projeto Gente Grande não é meu, é seu! Eu não sou puxador de orelha, mas posso ser teu assessor no projeto".

    Defendo que as escolas ensinem o Projeto Gente Grande, e que os alunos TOMEM POSSE dele. Orçamento, planejamento, poupança... Lá devia haver um ensaio de cidadania: a escola não teria partido, mas ensinaria democracia (os alunos poderiam formar partidos), e assim por diante.

    Enfim, não faltarão diretrizes para implementar o Projeto Gente Grande. Um verdadeiro harém de "meretrizes"!

    francisco daudt

    Escreveu até dezembro de 2017

    Psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros.

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