SÃO PAULO - Alguns leitores ficaram um pouco bravos comigo porque eu afirmei na coluna de ontem que a legislação sobre costumes de um Estado moderno deve sempre seguir a inspiração liberal e não a conservadora. Diferentemente do que sugeriram certos missivistas, não escrevi isso porque minhas preferências pessoais coincidem com as ideias ditas progressistas, mas porque existe uma diferença qualitativa no papel que as duas visões de mundo reservam para a lei.
Na visão conservadora, é legítimo que o Estado opere ativamente para promover a coesão social, mesmo que, para isso, force o indivíduo a conformar-se ao "statu quo". Não dá para dizer que não funcione. Em que pese um certo autoritarismo intrínseco, sociedades que colocam os interesses coletivos acima dos individuais tendem a apresentar menores índices de violência interpessoal e menos desigualdade. Costumam ser menos inventivas também, mas esse é outro problema.
Já para os liberais, a ênfase recai sobre a liberdade individual. Bem no espírito de John Stuart Mill, atitudes e comportamentos, por mais exóticos que pareçam, só podem ser legitimamente proibidos ou limitados se resultarem em dano objetivo e demonstrável para terceiros. Caso contrário, "sobre si mesmo, seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano".
A implicação mais óbvia dessa diferença é que, enquanto a perspectiva liberal permite que cada grupo viva segundo suas próprias convicções, ainda que numa escala menor que a do todo, a concepção conservadora exige que as franjas minoritárias renunciem a seus valores. Trocando em miúdos, existem vários projetos de lei para proibir ou limitar o aborto e o casamento gay, mas não há nenhum com o intuito de torná-los obrigatórios. Numa época em que consensos sociais podem mudar rapidamente, conservadores deveriam ser os principais interessados numa legislação bem liberal.
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.