Almoço com um amigo de infância. Conversa solta. A certa altura, ele olha para o relógio e diz, com a preocupação típica dos pecadores: "Já deveria estar trabalhando."
Informação: passou meia-hora e o prato principal ainda está sob processo mandibular. Eu rio, digo qualquer coisa como "mas tu não és o chefe?", e ele responde: "Mesmo assim."
Não é caso único. Em todos os contextos, e sob todos os pretextos, encontro gente que se sente culpada por não estar trabalhando. Como se um momento de pausa fosse uma blasfêmia contra a religião do escritório. Não falo apenas de funcionários que dependem da benevolência do diretor. Falo de seres soberanos sobre o seu próprio tempo e sobre a sua própria ocupação, que em teoria já têm carreira e patrimônio para uma ociosidade ocasional.
Os casos mais aberrantes acontecem com colegas de ofício, para quem as pausas deveriam ser o primeiro mandamento das suas artes.
Nem eles se salvam. Quando os encontro para dois dedos de conversa, lá vem a angústia do livro/ensaio/artigo que eles não estão a escrever.
De fato: quem disse que vivemos na sociedade disciplinar do sr. Foucault? Hoje, a punição vem de dentro. Somos nós que vigiamos e punimos qualquer manifestação de liberdade interior.
Eis, no fundo, a tese de "A Sociedade do Cansaço", um breve e brilhante ensaio de Byung-Chul Han. O título começa por enunciar um diagnóstico: cada época histórica tem as suas doenças características. Se a humanidade já passou pelas épocas bacteriana e viral, o nosso tempo define-se pela doença neuronal.
Diferenças? Para Han, as duas primeiras definiam-se pela ameaça daquilo que é "estranho" e "exterior" —a bactéria, o vírus que agredia o organismo. A violência neuronal —presente nas depressões, na ansiedade, nas neuroses etc— é algo que nasce em nós e contra nós.
Pela submissão voluntária ao único imperativo que restou nas sociedades atomizadas e dessacralizadas do Ocidente —o "imperativo do trabalho"— Byung-Chul Han é primoroso ao escrever como o homem pós-moderno "transporta sobre as costas o seu próprio campo de trabalho forçado".
Isso é visível até nas pequenas coisas: podemos considerar a capacidade de "multitasking" uma forma de evolução. Algumas empresas, nos seus anúncios de emprego, valorizam a acrobacia.
Mas essa hiperatividade, que permite realizar várias tarefas ao mesmo tempo, é uma regressão: só os animais selvagens, por motivos de sobrevivência, são obrigados a várias atividades simultâneas —busca de alimentos, alerta permanente para outros predadores etc. O fato de nos comportarmos como animais não deveria ser motivo para festejar.
E, obviamente, não é. Deixo ficar as consequências físicas e psíquicas da "sociedade do cansaço" para os especialistas respectivos.
Fico pelas consequências filosóficas: que espécie de cultura esperamos produzir quando privamos o próprio ato criativo da sua semente mais necessária —esse tempo para não-fazer; esse "dom da escuta" que o "animal de trabalho" considera um luxo e, como se vê em alguns amigos, uma fonte de culpa?
Seria fácil desprezar o "dom da escuta" se a vertigem da produção contínua oferecesse também a produção contínua de obras valiosas. Mas a vertigem, como defende acertadamente Byung-Chul Han, limita-se a reproduzir e acelerar o que existe.
É por isso que a celebração mentecapta de que "nada é impossível" se converte rapidamente no seu oposto: na ideia de que "nada é possível", o princípio da "infarto" neuronal.
George Orwell dizia que é preciso uma luta constante para ver o que existe bem na frente do nosso nariz. "A Sociedade do Cansaço" tem essa capacidade. No fundo, a capacidade que as bestas de carga não têm tempo para usar.
Escritor português, é doutor em ciência política.
Escreve às terças e às sextas.