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    Leão Serva

    Haddad mata lei Cidade Limpa, que completa dez anos

    20/06/2016 02h00

    A lei Cidade Limpa pode morrer ao chegar a dez anos. O prefeito Fernando Haddad completará assim, por ato (nova lei), o desmonte iniciado por omissões desde o começo de seu mandato. Na campanha eleitoral de 2012, ele prometeu manter a norma, mas, desde a posse, suspendeu a fiscalização e os cartazes ilegais prosperaram.

    O projeto de lei do Executivo (236/2016) apelidado de "Banca SP" autoriza as bancas de jornal da cidade a venderem publicidade. Hoje, elas só podem anunciar jornais e revistas. A cidade tem cerca de 4.500 bancas, com três faces externas para comercializar: serão pelo menos 14 mil anúncios. Somados, todos os relógios e pontos de ônibus, que são autorizados, expõem cerca de 4.000 anúncios.

    Em 2014, o vereador José Américo Dias (PT) apresentou proposta de autorizar publicidade em bancas. Falando à coluna, disse que buscava dar aos jornaleiros uma receita para compensar a queda da circulação de jornais e revistas. Aprovado pela Câmara, o projeto foi vetado pelo prefeito, sob o argumento de que privilegiava uma categoria social (jornaleiros) em detrimento do interesse coletivo (o fim da poluição visual).

    Em agosto do ano passado, José Américo foi nomeado secretário municipal. Aparentemente, mudou a opinião do prefeito Haddad que, em maio, enviou o "Banca SP" à Câmara, onde tramita com impulso de rolo compressor. A lei prevê uma audiência pública antes da votação em plenário. Ela foi convocada pelo "Diário Oficial" na última segunda (13) e realizada na terça (14), com presença de dois vereadores e o presidente do sindicato de jornaleiros; durou nove minutos. No dia seguinte, seis comissões temáticas apresentaram pareceres favoráveis; o projeto foi a plenário na mesma noite, aprovado por 33 vereadores a 3. A aprovação em segunda votação deve ocorrer nesta semana.

    Participei da gestação do projeto como assessor da prefeitura e, como disse no livro "Cidade Limpa - O Projeto que Mudou a Cara de São Paulo" (2008), sua principal inovação é a simplicidade que faz com que qualquer cidadão possa ser um fiscal. Antes, as regras eram complicadas, impossíveis de controlar.

    Previstas já no texto de 2006, foram realizadas em 2012 duas concorrências para exploração de publicidade em pontos de ônibus e relógios de rua. Com o fim da poluição, esses espaços passam a ter valor comercial. Os vencedores das licitações, a multinacional JC Decaux (relógios) e um consórcio liderado pela empreiteira Odebrecht (pontos de ônibus), dizem já ter investido R$ 650 milhões em taxas e custos de implantação. Elas pagam cerca de R$ 18 milhões por ano à prefeitura. Até 2006, a arrecadação com publicidade externa era nula.

    As duas empresas preparam ações na Justiça para interromper pagamentos e receber indenizações pela mudança das regras na vigência do contrato. O resultado pode ser o dobro do que o município perdeu com o cancelamento do aumento da passagem de ônibus, em 2013 –a proposta de Haddad não prevê pagamentos das bancas à prefeitura.

    Para se tornar lei, precisa passar por uma nova audiência pública e outra votação em plenário, que podem ocorrer nesta semana. A cidade não está informada da existência do projeto e quem ainda é a favor da Cidade Limpa não se mobilizou.

    Entre os que participaram da criação da lei, há certa desolação. A autora do texto, a arquiteta Regina Monteiro, ex-presidente do movimento Defenda São Paulo, considera o projeto "uma completa aberração" por alterar os pilares fundamentais da lei em vigor.

    Andrea Matarazzo, candidato a prefeito e secretário de Subprefeituras na época da implantação da Cidade Limpa, acha que "a proposta é extemporânea e desnecessária pois a lei já define o que pode e o que não pode, inclusive em bancas de jornal".

    O vereador José Police Neto (PSD), que votou contra, sentencia: "Hoje são as bancas de jornal. Amanhã, as de fruta, depois as de peixe. No final, até banca do bicho... É o fim da Lei Cidade Limpa."

    Procurado, o prefeito Fernando Haddad não retornou o chamado na sexta-feira (17).

    Impossível não associar a urgência na tramitação ao calendário eleitoral. Durante a campanha, a cidade ficará poluída com anúncios políticos. A lei vestida de cordeiro para ajudar jornaleiros é um lobo que vai destruir conquistas de dez anos atrás. Ao tomar posse, a próxima administração vai prometer uma batalha contra a poluição visual. O futuro será 2006.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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