A meio caminho do quinto episódio do drama "Bloodline", que o Netflix estreou no último dia 20, a personagem de Sissy Spacek explica a um casal de turistas a graça dos recifes locais: há tanta vida escondida ali, "tudo a nossa volta o tempo todo, e nós raramente conseguimos enxergá-la" sem mergulhar.
Sally, a personagem, está falando da natureza do sul da Flórida, mas poderia estar descrevendo o enredo do drama em 13 episódios (todos disponíveis no site de streaming) sobre uma família desestruturada que mantém uma pousada tradicional na região.
Merrick Morton | ||
Sissy Spacek, que interpreta Sally Rayburn na série 'Bloodline' |
À primeira vista, os Rayburn são invejáveis e felizes, até para eles mesmos; um mergulho já no primeiro episódio mostra um turbilhão de vida -de sentimentos e histórias- que não chega à superfície, movido sobretudo pela dificuldade de cada um de lidar com a morte, seja ela passada, iminente ou pendente.
Robert, o pai, interpretado por Sam Shepard ("Os Eleitos"), é um sujeito que construiu naquele pedaço de praia o próprio paraíso, como lembra um dos filhos, onde ele dá as ordens e recria as memórias. Sally (Spacek, infalível), a mãe, é a sustentação, às vezes esmagada por tanto peso. Os quatro filhos seguem os estereótipos dos folhetins.
Há Danny, o mais velho e preterido, que volta para casa após longa ausência (o desconhecido Ben Mendelsohn, na melhor interpretação da série); há Kevin (Norbert Leo Butz), o caçula, que quer suceder o pai sem ter se encontrado na vida; há Meg (Linda Cardellini, a amante italiana de "Mad Men"), garota exemplar e nunca satisfeita.
E há John (Kyle Chandler, de "Friday Night Lights"), o narrador, um xerife que se sente obrigado a por ordem na casa. Desde a primeira cena, ele alerta que algo ruim aconteceu e ele é corresponsável.
Apesar do argumento promissor, "Bloodline" não sustenta a narrativa. A trama, segundo os produtores, foi pensada como se fosse um episódio único ou um filme. Só que esse filme tem mais de 10 horas e poucos desdobramentos para manter o espectador fisgado por todas elas.
Alguns resenhistas ressaltam que na reta final o enredo decola; nenhuma série que não engrena até o quarto episódio, porém, merece manter o espectador em tempos de oferta vasta de boa ficção na TV.
Além disso, com a ambição de fazer um produto bem embalado (elenco e fotografia são notáveis) porém de consumo fácil para um público mais amplo, o Netflix tropeçou e não fez uma coisa nem outra.
Para os exigentes, "Bloodline" tem clichês em excesso e nem remotamente mantém a tensão de "Damages", dos mesmos produtores; para quem quer apenas distração, exige atenção demais para acompanhar todas as linhas temporais em que a história acontece -nenhuma interessante como os saltos de tempo de, por exemplo, "True Detective". Aos pacientes, boa sorte.
"Bloodline" está disponível no Netflix
É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.