O centenário de nascimento de Albert Camus, em 7 de novembro de 2013, teve poucas publicações comemorativas no Brasil. Além de uma edição em capa dura de "O Estrangeiro" (Record), acabam de sair três volumes reunindo a primeira parte de seus "Cadernos", pela editora Hedra.
Parece pouco para um escritor que, em 46 anos de vida, escreveu clássicos da literatura contemporânea como "A Peste" e "A Queda", além de peças teatrais e ensaios —sem falar no prêmio Nobel que lhe foi atribuído em 1957.
Embora obras fundamentais permaneçam fora de catálogo, como "Núpcias" e "O Verão" ou a peça "Calígula", a publicação desses "Cadernos" é um acontecimento.
Pois, além de nunca terem sido traduzidos antes no Brasil, eles trazem um conjunto de reflexões, esboços e notas de leitura que compõem a oficina do escritor —com angústias e projetos que se adensam em contato com a história, sobretudo a Segunda Guerra.
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Edição da primeira parte de 'Cadernos' celebra centenário de Albert Camus |
A edição brasileira difere da original na divisão interna. Após a morte de Camus, num acidente de automóvel, foram lançados na França três volumes de seus "Carnets" —cobrindo os períodos 1935-1942, 1942-1951 e 1951-1959.
A equipe de tradutores da Hedra desdobrou o primeiro desses volumes em três livros, atribuindo-lhes títulos que foram extraídos de frases contidas nas anotações de Camus. Espera-se, portanto, a publicação das outras duas partes dos "Cadernos".
A escrita desse laboratório literário é fragmentária, às vezes obscura. Aparecem menções a livros que jamais seriam escritos, ou que tomariam forma completamente diversa —tudo bem explicado pelas notas de rodapé dos tradutores e pelos apêndices de pesquisadores envolvidos na edição. Também podemos ler esboços do romance "A Morte Feliz", que Camus chegou a concluir, porém descartou —posteriormente utilizando seu protagonista em "O Estrangeiro".
Para os leitores de Camus, surpreende o modo como, ainda muito jovem, em sua Argélia natal (então colônia francesa), ele planificava sua obra tal qual a leríamos depois, com o tema onipresente do "absurdo", sistematizado no ensaio "O Mito de Sísifo".
E se Camus foi interlocutor do existencialismo de Sartre, uma anotação desses "Cadernos" não deixa dúvida de que, nele, o escritor triunfava sobre o pensador: "Só se pensa por imagens. Se você quiser ser filósofo, escreva romances".
LIVROS
ESPERANÇA DO MUNDO - CADERNOS (1935-37) ****
AUTOR: Albert Camus
TRADUÇÃO: Raphael Araújo e Samara Geske
EDITORA: Hedra (104 págs., R$ 32)
A DESMEDIDA NA MEDIDA - CADERNOS (1937-39) ****
AUTOR: Albert Camus
TRADUÇÃO: Raphael Araújo e Samara Geske
EDITORA: Hedra (134 págs., R$ 32)
A GUERRA COMEÇOU, ONDE ESTÁ A GUERRA? - CADERNOS (1939-42) ****
AUTOR: Albert Camus
TRADUÇÃO: Raphael Araújo e Samara Geske
EDITORA: Hedra (138 págs., R$ 32)
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FILME
MUSSOLINI - A HISTÓRIA NÃO CONTADA **
William A. Graham (CultClassic, R$ 59,90, 3 DVDs)
Com George C. Scott no papel de Mussolini e Raul Julia como seu genro sedutor e oportunista (o conde Ciano), essa minissérie retrata o fascismo pelo prisma familiar, correndo o risco dos filmes sobre ditadores: reduzir o processo histórico a vaidades e ambições pessoais. O viés íntimo, curiosamente, torna o "Duce" mais ambíguo do que seu estereótipo de tirano bufão.
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LIVRO
POR JÚPITER! - A TRAGICOMÉDIA DE ANFITRIÃO ****
Plauto; adaptação de José Carlos Aragão (Berlendis & Vertecchia, 104 págs., R$ 42)
Com ilustrações de Luciano Tasso, na forma de mosaicos romanos, "Por Júpiter!" é uma adaptação da peça "Anfitrião", do latino Plauto (por sua vez baseada numa comédia grega). Quando Anfitrião volta da guerra, constata que fora substituído pelo escravo Sósia em suas funções maritais, dando início a uma "comédia de erros" com intervenção dos deuses do Olimpo.
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DISCO
SERGEI PROKOFIEV: SINFONIA Nº 4 / O FILHO PRÓDIGO ***
Osesp; Marin Alsop, regente (Naxos, R$ 32,90)
Dentro do projeto da integral das sinfonias do russo Prokofiev, a Osesp grava obras interligadas: o balé "O Filho Pródigo" (baseado no relato bíblico) e a "Sinfonia nº 4", cuja primeira versão utilizou material do balé, sendo reescrita depois dentro dos parâmetros do "realismo socialista". É essa versão, mais monumental, que temos aqui, com a regente Marin Alsop reiterando sua afinidade com o repertório russo.
É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.