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    Manuel da Costa Pinto

    Filme baseado em Malcom Lowry descreve jornada etílica e existencial

    12/04/2015 02h00

    "À Sombra do Vulcão", de John Huston, é uma carraspana cinematográfica só comparável a "Farrapo Humano" (1945), de Billy Wilder. Adaptação de 1984 do romance homônimo do inglês Malcolm Lowry (1909-1957), é ao mesmo tempo a descrição dos momentos terminais de um homem que mergulha no álcool com fúria existencial e a visão infernal do beco sem saída de uma época.

    A ação se passa num período de 24 horas, em 1938, na cidade de Cuernavaca, durante o Dia dos Mortos –que no México é celebrado com quermesses e pantominas de esqueletos, festejando o além-túmulo com um humor tétrico enfatizado pela direção de arte do pintor Gunther Gerzso e pela fotografia de Gabriel Figueroa (ambos mexicanos que também trabalharam com John Ford e Luis Buñuel).

    O cônsul britânico Geoffrey Firmin (Albert Finney, numa de suas maiores atuações) é mais um fantoche entre esses fantoches: transita com alegria demente entre barraquinhas e botecos, consumindo oceanos de brandy, uísque e tequila.

    A razão imediata de sua bebedeira infinita é uma mulher, Yvonne (Jacqueline Bisset), atriz que o abandonou após um breve "affair" com Hugh (Anthony Andrews), meio- irmão do cônsul. Como se fosse um delírio etílico, Yvonne volta de Nova York, mesmo não tendo recebido resposta às várias cartas que enviara ao marido ultrajado. Ela também reencontra Hugh, que voltara da Guerra Civil Espanhola e é o oposto do cônsul: jovem, capaz de improvisar canções ao violão e de atuar em touradas.

    Não se trata de um triângulo amoroso. Yvonne não tem ilusões de que Firmin voltará a ser sóbrio e mesmo assim quer reatar o casamento com a ajuda do cunhado sedutor, ambos sinceramente constrangidos com a traição. O cônsul, porém, rechaça a redenção —e aqui aparece a dimensão mais visceral de seu porre.

    Firmin até usa o adultério como argumento autodestrutivo, mas seu niilismo dipsomaníaco é uma rejeição a toda forma de ilusão: o heroísmo vaidoso do irmão, as promessas idílicas do amor ou a violência ideológica que embriaga o México às vésperas da Segunda Guerra, com o banditismo de milícias de inspiração nazista e bailes frequentados por um diplomata do Reich. A jornada do anti-herói de Lowry/Huston culmina em um inferninho que é o espelho grotesco desse coquetel.

    FILME

    À SOMBRA DO VULCÃO ***
    DIREÇÃO: John Huston
    DISTRIBUIDORA: Versátil (1984; DVD R$ 44,90)

    LIVRO

    À SOMBRA DO VULCÃO ***
    Romance de 1947 foi cobiçado por Orson Welles, Joseph Losey e Buñuel antes de ser adaptado por Huston.
    AUTOR: Malcolm Lowry
    TRADUTOR: Leonardo Fróes
    EDITORA: L&PM (392 págs., R$ 23)

    FILME

    A LENDA DO SANTO BEBERRÃO ***
    Fábula baseada no romance homônimo do austríaco Joseph Roth (1894-1939), em que os porres de um mendigo adiam suas tentativas de redenção.
    DIREÇÃO: Ermanno Olmi
    DISTRIBUIDORA: Lume (DVD R$ 37,50)

    -

    LIVROS

    MITOS CLÁSSICOS ***
    Jenny March; tradução de Maria Alice Máximo (Civilização Brasileira, 560 págs., R$ 65)
    A especialista britânica não interpreta ou explica os mitos antigos —reconta-os com erudição, apoiada nas metamorfoses de autores como Hesíodo, Homero, Virgílio e Ovídio. Essa é a virtude do livro, que dispõe os relatos em ordem inteligível, da origem do cosmos até a criação das "raças" de heróis e humanos, personagens e episódios históricos.

    O PRAZER DO SEXO *
    Vicki León; tradução de Vera Ribeiro (Apicuri, 336 págs., R$ 49)
    Com o subtítulo "Uma Celebração da Luxúria, do Desejo e do Amor na Antiguidade", explica a a licenciosidade greco-romana de filósofos, deuses, imperadores, gladiadores, cortesãs e fornicadores de toda ordem. O tom divertido às vezes força paralelos com o mundo atual, mas os dados são seguros, com a origens de termos (e práticas) atuais.

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    DISCO

    CANTO **
    Carminho (Som Livre, R$ 22,90)
    Renovadora do fado, a cantora portuguesa Carminho incorpora, em seu terceiro álbum, algumas parcerias brasileiras: Cezar Mendes, Caetano e Tom Veloso, Marisa Monte (que com ela interpreta canção de Arnaldo Antunes) e o arranjador e violoncelista Jacques Morelenbaum. A tônica dominante é o melancólico gênero lusitano, como no belo "Andorinha", de autoria dela.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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