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    Marcelo Leite

    Plataforma de gelo na Antártida caminha para a desestabilização

    05/12/2016 02h00

    NASA Goddard Space Flight Center/Flickr
    Iceberg tabular da ilha Pine
    Iceberg tabular da ilha Pine

    Nada é pequeno na Antártida, o continente gelado que contém metade da água doce do mundo. Uma geleira como a da ilha Pine pode cobrir uma área do tamanho do Texas e alcançar dezenas, centenas de metros de espessura.

    Esses rios de gelo que vêm do interior do continente têm sua velocidade reduzida por imensas plataformas de gelo, que atuam como rolhas na sua embocadura no mar. Sem essas barreiras, as geleiras se aceleram e derretem mais rápido no oceano, elevando seu nível no mundo todo.

    Plataforma e geleira que tomam emprestado o nome da ilha Pine estão no centro da preocupação porque a primeira está ficando instável desde os anos 1940. Ao que parece, o processo de desestabilização tem origem no aquecimento das águas em torno da Antártida.

    Se não fosse pela calota de gelo que o recobre, o continente austral seria uma série de ilhas que hoje estão conectadas pelas geleiras e plataformas de gelo. Estas últimas se apoiam, na margem mais próxima da terra, sobre o que seria o fundo do mar caso não estivessem ali.

    Mais à frente, há água do oceano sob elas, como se fosse um píer flutuante ancorado no terreno seco. A diferença está em que as amarras neste caso se compõe de gelo, que derrete mais rápido em contato com a água em aquecimento.

    Com essas amarrações em rocha cada vez mais frágeis, várias fissuras têm surgido na plataforma. No verão passado, uma delas levou ao desprendimento de um iceberg tabular com mais de 580 km2 de superfície, suficiente para abrigar um terço do município de São Paulo.

    Dois artigos científicos recentes esmiuçaram a interação do mar com a plataforma e as fissuras. Um deles saiu na revista "Nature" em 23 de novembro, e o outro, na "Geophysical Review Letters", cinco dias depois.

    Tudo indica que a plataforma está mesmo sendo solapada por baixo e que suas raízes em terra recuam a passos largos. A conclusão, para lá de preocupante, é que esse processo não tem volta e que a desestabilização prosseguirá por várias décadas, abrangendo toda a Antártida Ocidental.

    Aí o bicho vai pegar. O único consolo é que, como se diz, no longo prazo estaremos todos mortos –não testemunharemos o resultado de nossas ações e omissões, e só os nossos descendentes sofrerão as consequências.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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