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    Marcelo Leite

    Planalto premia grileiros ao diminuir a Floresta Nacional do Jamanxim

    25/12/2016 02h00

    Em agosto de 2014, uma equipe da Folha viajou pela região de Novo Progresso (PA), para retratar como nunca chegou a sair da gaveta o plano BR-163 Sustentável, arquitetado uma década antes pela então ministra petista Marina Silva na pasta do Meio Ambiente.

    Quando saiu a reportagem multimídia "BR-163 Insustentável", um amigo mandou mensagem de correio eletrônico para fulano dizendo que a reportagem era uma "m....". Este colunista só ficou sabendo da opinião furibunda porque o distraído incluiu cópia para o próprio.

    O amigo nunca explicou por que detestara o trabalho. Sendo ele um ambientalista, ainda que dos bons (mais objetivo que apaixonado), ficou a impressão de que se incomodara com o fato de a reportagem ter dado voz também para fazendeiros e madeireiros, sem chegar a julgá-los.

    Lalo de Almeida-20.ago.2014/Folhapress
    Caminhões com toras de madeira ilegal apreendidas pelo IBAMA na região de Novo Progresso (PA)
    Caminhões com toras de madeira ilegal apreendidas pelo IBAMA na região de Novo Progresso (PA)

    Mesmo na nata do movimento ambiental, em sua intelligentsia, há quem alimente essa expectativa com o jornalismo: que se deixe levar pela indignação com a destruição de florestas, a grilagem de terras e o desprezo com os direitos de quem vive por ali. Como esta em geral encontra plena justificação nos fatos, mais de um colega de profissão acorre ao chamado.

    E o caso da BR-163 é mesmo de urrar. Há décadas posseiros e pecuaristas do trecho paraense da Cuiabá-Santarém pedem seu asfaltamento, mas, como previam os críticos do projeto, ele só trouxe muita derrubada de matas e pouco progresso social. O plano de Marina Silva era concatenar a obra com várias intervenções federais para conter a devastação.

    Como quase tudo que se planeja em Brasília, deu errado. Os grileiros do passado (alguns já convertidos em lideranças empresariais locais, sobretudo pecuaristas e madeireiros) e do presente prosperaram, comendo pelas bordas a principal unidade de conservação (UC) da região, a Floresta Nacional do Jamanxim.

    Pelo menos um dos proprietários entrevistados na difamada reportagem alegava, como vários de seus pares, que comprara terras na Flona antes da criação da UC. As transações eram informais (para dizer o mínimo), porém, e eles não tinham títulos fundiários para provar a boa fé.

    Sem tais documentos, o Estado brasileiro só poderia indenizá-los pelas benfeitorias, não por terras que originalmente pertenciam à União e foram depois ocupadas ao arrepio da lei. Por isso os fazendeiros defendiam a chamada "desafetação", ou seja, que suas fazendas fossem excluídas da área oficial da Flona.

    Dar voz aos fazendeiros para que apresentem seu caso não implica concordar com ele. Não cabe a um texto jornalístico declarar a ilegitimidade de certas situações, menos ainda quando os fatos narrados tornam óbvio que não há solução fácil e que a pretensão não tinha o menor cabimento.

    Pois o governo de Michel Temer (PMDB) criou espaço para fazê-la caber. Excluiu da Flona do Jamanxim terras ocupadas pelos amigos dos amigos dos ruralistas que cercaram um latifúndio no Congresso. Um presente generoso.

    Caprichou no embrulho: fez isso por medida provisória, poucos dias antes do Natal, quando o país inteiro já desacelerava e prestava ainda menos atenção ao que importa. O governo Temer demonstra, mais uma vez, sua vocação plena para a insustentabilidade.

    BR-163 Insustentável

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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